Biotecnologia agrícola: mitos, riscos ambientais e alternativas
Até mais ou menos quatro décadas atrás, os rendimentos agrícolas nos Estados Unidos baseavam-se nos recursos internos, na reciclagem da matéria orgânica, nos mecanismos de controle biológico e nos padrões de chuva. Os rendimentos agrícolas eram modestos, mas estáveis. A produção estava salvaguardada porque no campo se cultivava mais de um produto ou variedade no tempo e no espaço, como um seguro contra a aparição de pragas ou a severidade climática. O nitrogênio do solo era reincorporado pela rotação das principais culturas com as leguminosas. As rotações de culturas destruíam insetos, inços e doenças, graças à ruptura efetiva dos ciclos de vida destas pragas. Um típico agricultor de milho semeava milho em rotação com outras diversas culturas, como a soja, e a produção de outros grãos era intrínseca para manter o gado na propriedade. A maior parte do trabalho era feita pela família, que era a dona da propriedade, com ajuda externa ocasional. Não se compravam equipamentos, nem se usavam insumos externos (Altieri, 1994; Audirac, 1997).
No mundo em desenvolvimento, os pequenos agricultores impulsionaram sistemas agrícolas ainda mais complexos e biodiversos, guiados pelo conhecimento indígena (camponês) que superou a prova do tempo (Thrupp, 1998). Neste tipo de sistemas, a conexão entre agricultura e ecologia era bastante forte e raramente se evidenciavam sinais de degradação ambiental.
Mas, conforme a modernização agrícola foi avançando, a conexão ecologia – sistema agrícola foi sendo destruída, já que os princípios ecológicos foram ignorados ou omitidos. O lucro, e não a necessidade do povo ou a preocupação pelo ambiente, determinou a produção agrícola. Os interesses dos agronegócios e as políticas dominantes favoreceram as grandes propriedades, a produção especializada, a monocultura e a mecanização.
Hoje, a monocultura cresceu de maneira drástica em todo o mundo, principalmente através da expansão geográfica anual das lavouras dedicadas a cultivos individuais. A monocultura implicou na simplificação da biodiversidade, dando, como resultado final, um ecossistema artificial que requer constante intervenção humana através do uso de insumos agroquímicos, os quais além de melhorar os rendimentos apenas temporariamente, dão como resultado elevados custos ambientais e sociais não desejados. Conscientes de tais impactos, muitos cientistas agrícolas chegaram ao consenso geral de que a agricultura moderna se enfrenta a uma severa crise ecológica (Conway e Pretty,1991).
A perda anual de rendimentos devido a pragas em muitos cultivos (que, na maior parte dos casos, chega a 30 por cento), apesar do aumento substancial no uso de pesticidas (cerca de 500 milhões de kg de ingrediente ativo, em todo o mundo), é um sintoma da crise ambiental que afeta a agricultura. As plantas cultivadas que crescem como monoculturas geneticamente homogêneas não possuem os mecanismos ecológicos de defesa necessários para tolerar o impacto das populações epidêmicas de pragas (Altieri, 1994).
Quando estes modelos agrícolas foram exportados aos países do Terceiro Mundo, através da chamada Revolução Verde, se agravaram ainda mais os problemas ambientais e sociais. A maior parte dos agricultores de escassos recursos, da América Latina, Ásia e África, ganhou muito pouco neste processo de desenvolvimento e transferência de tecnologia da Revolução Verde, porque as tecnologias propostas não foram neutras quanto à escala. Os agricultores com terras mais extensas e melhor conservadas ganharam mais, mas os agricultores com menores recursos e que vivem em ambientes marginais perderam com maior freqüência e a disparidade dos ingressos foi acentuada (Conway, 1997).
A mudança tecnológica favoreceu principalmente a produção e/ou exportação de produtos comerciais produzidos, principalmente, pelo setor das grandes propriedades, com um impacto marginal na produtividade dos cultivos para a segurança alimentar, majoritariamente em mãos do setor camponês (Pretty, 1995). Nas áreas onde se realizou uma mudança progressiva da agricultura de subsistência para uma agricultura de economia monetária, se tornou evidente uma grande quantidade de problemas ecológicos e sociais: perda da auto-suficiência alimentar, erosão genética, perda da biodiversidade e do conhecimento tradicional, e incremento da pobreza rural (Conroy et al., 1996).
Para manter estes sistemas agroexportadores, muitos países em desenvolvimento se converteram em importadores de insumos químicos e de máquinas agrícolas, aumentando assim os gastos governamentais e exacerbando a dependência tecnológica. Por exemplo, entre 1980 e 1984, a América Latina importou cerca de US$ 430 milhões em pesticidas e uns 6,5 milhões de toneladas de fertilizantes químicos (Nicholls e Altieri, 1997). Este uso massivo de agroquímicos conduziu a uma enorme crise ambiental e de proporções sociais e econômicas imensuráveis.
É irônico o fato de que os mesmos interesses econômicos que promoveram a primeira onda de agricultura baseada em agroquímicos estão agora comemorando e promovendo a emergência da biotecnologia como a mais recente varinha mágica. A biotecnologia, dizem, revolucionará a agricultura com produtos baseados nos métodos próprios da natureza, conseguindo uma agricultura mais amigável com o ambiente e mais lucrativa para os agricultores, assim como mais saudável e nutritiva para os consumidores (Hobbelink,1991).
A luta global por conquistar o mercado está conduzindo as grandes corporações a produzir plantas desenvolvidas com engenharia genética (cultivos transgênicos) em todo o mundo (mais de 40 milhões de hectares em 1999) sem as apropriadas provas prévias de impacto sobre a saúde humana e os ecossistemas, a curto e longo prazo. Esta expansão recebeu o apoio de acordos de comercialização e distribuição realizados por corporações e marketeiros (por exemplo, Ciba Seeds com Growmark e Mycogen Plant Sciences com Cargill) devido à falta de regulamentação em muitos países em desenvolvimento.
Nos Estados Unidos, as políticas do Food and Drug Organization (FDA) e da Environmental Protection Agency (EPA) consideram os cultivos modificados geneticamente “substancialmente equivalentes” aos cultivos convencionais. Estas políticas foram desenvolvidas no contexto de um marco regulador inadequado e, em alguns casos, inexistente.
As corporações de agroquímicos, as quais controlam cada vez mais a orientação e as metas da inovação agrícola, defendem que a engenharia genética melhorará a sustentabilidade da agricultura ao resolver os muitos problemas que afetam a agricultura convencional e livrará o Terceiro Mundo da baixa produtividade, da pobreza e da fome.
Comparando mito e realidade, o objetivo deste livro é questionar as falsas promessas feitas pela indústria da engenharia genética. Eles prometeram que os cultivos produzidos por engenharia genética impulsionarão a agricultura para longe da dependência de insumos químicos, aumentarão a produtividade, diminuirão os custos de insumos e ajudarão a reduzir os problemas ambientais (Office of Technology Assessment, 1992). Ao questionar os mitos da biotecnologia, neste livro se mostra a engenharia genética como o que ela realmente é: outra trama tecnológica ou outra “varinha mágica” destinada a burlar os problemas ambientais da agricultura (que são o produto de uma trama tecnológica anterior) sem questionar as suposições defeituosas que ocasionaram os problemas pela primeira vez (Hindmarsh, 1991). A biotecnologia promove soluções baseadas no uso de genes individuais para os problemas derivados de sistemas de monocultura ecologicamente instáveis, desenhados sobre modelos industriais de eficiência. Tal enfoque unilateral e reducionista já provou que não é ecologicamente sólido no caso dos pesticidas, enfoque que também adotou um modelo semelhante usando o paradigma “uma praga – um químico”, comparável à proposta “uma praga – um gene” promovida pela biotecnologia (Pimentel et al., 1992).
A agricultura industrial moderna, hoje convertida em epítome pela biotecnologia, se baseia em uma premissa filosófica que é fundamentalmente errônea e que necessita ser exposta e criticada, para que dê lugar a uma agricultura verdadeiramente sustentável. Isto é particularmente relevante no caso da biotecnologia, onde a aliança da ciência reducionista com a indústria multinacional monopolizadora levou a agricultura para um caminho equivocado. A biotecnologia percebe os problemas agrícolas como deficiências genéticas dos organismos e trata a natureza como uma mercadoria e, além disso, torna os agricultores mais dependentes de um setor dos agronegócios que concentra cada vez mais seu poder sobre o sistema agroalimentar.
Até mais ou menos quatro décadas atrás, os rendimentos agrícolas nos Estados Unidos baseavam-se nos recursos internos, na reciclagem da matéria orgânica, nos mecanismos de controle biológico e nos padrões de chuva. Os rendimentos agrícolas eram modestos, mas estáveis. A produção estava salvaguardada porque no campo se cultivava mais de um produto ou variedade no tempo e no espaço, como um seguro contra a aparição de pragas ou a severidade climática. O nitrogênio do solo era reincorporado pela rotação das principais culturas com as leguminosas. As rotações de culturas destruíam insetos, inços e doenças, graças à ruptura efetiva dos ciclos de vida destas pragas. Um típico agricultor de milho semeava milho em rotação com outras diversas culturas, como a soja, e a produção de outros grãos era intrínseca para manter o gado na propriedade. A maior parte do trabalho era feita pela família, que era a dona da propriedade, com ajuda externa ocasional. Não se compravam equipamentos, nem se usavam insumos externos (Altieri, 1994; Audirac, 1997).
No mundo em desenvolvimento, os pequenos agricultores impulsionaram sistemas agrícolas ainda mais complexos e biodiversos, guiados pelo conhecimento indígena (camponês) que superou a prova do tempo (Thrupp, 1998). Neste tipo de sistemas, a conexão entre agricultura e ecologia era bastante forte e raramente se evidenciavam sinais de degradação ambiental.
Mas, conforme a modernização agrícola foi avançando, a conexão ecologia – sistema agrícola foi sendo destruída, já que os princípios ecológicos foram ignorados ou omitidos. O lucro, e não a necessidade do povo ou a preocupação pelo ambiente, determinou a produção agrícola. Os interesses dos agronegócios e as políticas dominantes favoreceram as grandes propriedades, a produção especializada, a monocultura e a mecanização.
Hoje, a monocultura cresceu de maneira drástica em todo o mundo, principalmente através da expansão geográfica anual das lavouras dedicadas a cultivos individuais. A monocultura implicou na simplificação da biodiversidade, dando, como resultado final, um ecossistema artificial que requer constante intervenção humana através do uso de insumos agroquímicos, os quais além de melhorar os rendimentos apenas temporariamente, dão como resultado elevados custos ambientais e sociais não desejados. Conscientes de tais impactos, muitos cientistas agrícolas chegaram ao consenso geral de que a agricultura moderna se enfrenta a uma severa crise ecológica (Conway e Pretty,1991).
A perda anual de rendimentos devido a pragas em muitos cultivos (que, na maior parte dos casos, chega a 30 por cento), apesar do aumento substancial no uso de pesticidas (cerca de 500 milhões de kg de ingrediente ativo, em todo o mundo), é um sintoma da crise ambiental que afeta a agricultura. As plantas cultivadas que crescem como monoculturas geneticamente homogêneas não possuem os mecanismos ecológicos de defesa necessários para tolerar o impacto das populações epidêmicas de pragas (Altieri, 1994).
Quando estes modelos agrícolas foram exportados aos países do Terceiro Mundo, através da chamada Revolução Verde, se agravaram ainda mais os problemas ambientais e sociais. A maior parte dos agricultores de escassos recursos, da América Latina, Ásia e África, ganhou muito pouco neste processo de desenvolvimento e transferência de tecnologia da Revolução Verde, porque as tecnologias propostas não foram neutras quanto à escala. Os agricultores com terras mais extensas e melhor conservadas ganharam mais, mas os agricultores com menores recursos e que vivem em ambientes marginais perderam com maior freqüência e a disparidade dos ingressos foi acentuada (Conway, 1997).
A mudança tecnológica favoreceu principalmente a produção e/ou exportação de produtos comerciais produzidos, principalmente, pelo setor das grandes propriedades, com um impacto marginal na produtividade dos cultivos para a segurança alimentar, majoritariamente em mãos do setor camponês (Pretty, 1995). Nas áreas onde se realizou uma mudança progressiva da agricultura de subsistência para uma agricultura de economia monetária, se tornou evidente uma grande quantidade de problemas ecológicos e sociais: perda da auto-suficiência alimentar, erosão genética, perda da biodiversidade e do conhecimento tradicional, e incremento da pobreza rural (Conroy et al., 1996).
Para manter estes sistemas agroexportadores, muitos países em desenvolvimento se converteram em importadores de insumos químicos e de máquinas agrícolas, aumentando assim os gastos governamentais e exacerbando a dependência tecnológica. Por exemplo, entre 1980 e 1984, a América Latina importou cerca de US$ 430 milhões em pesticidas e uns 6,5 milhões de toneladas de fertilizantes químicos (Nicholls e Altieri, 1997). Este uso massivo de agroquímicos conduziu a uma enorme crise ambiental e de proporções sociais e econômicas imensuráveis.
É irônico o fato de que os mesmos interesses econômicos que promoveram a primeira onda de agricultura baseada em agroquímicos estão agora comemorando e promovendo a emergência da biotecnologia como a mais recente varinha mágica. A biotecnologia, dizem, revolucionará a agricultura com produtos baseados nos métodos próprios da natureza, conseguindo uma agricultura mais amigável com o ambiente e mais lucrativa para os agricultores, assim como mais saudável e nutritiva para os consumidores (Hobbelink,1991).
A luta global por conquistar o mercado está conduzindo as grandes corporações a produzir plantas desenvolvidas com engenharia genética (cultivos transgênicos) em todo o mundo (mais de 40 milhões de hectares em 1999) sem as apropriadas provas prévias de impacto sobre a saúde humana e os ecossistemas, a curto e longo prazo. Esta expansão recebeu o apoio de acordos de comercialização e distribuição realizados por corporações e marketeiros (por exemplo, Ciba Seeds com Growmark e Mycogen Plant Sciences com Cargill) devido à falta de regulamentação em muitos países em desenvolvimento.
Nos Estados Unidos, as políticas do Food and Drug Organization (FDA) e da Environmental Protection Agency (EPA) consideram os cultivos modificados geneticamente “substancialmente equivalentes” aos cultivos convencionais. Estas políticas foram desenvolvidas no contexto de um marco regulador inadequado e, em alguns casos, inexistente.
As corporações de agroquímicos, as quais controlam cada vez mais a orientação e as metas da inovação agrícola, defendem que a engenharia genética melhorará a sustentabilidade da agricultura ao resolver os muitos problemas que afetam a agricultura convencional e livrará o Terceiro Mundo da baixa produtividade, da pobreza e da fome.
Comparando mito e realidade, o objetivo deste livro é questionar as falsas promessas feitas pela indústria da engenharia genética. Eles prometeram que os cultivos produzidos por engenharia genética impulsionarão a agricultura para longe da dependência de insumos químicos, aumentarão a produtividade, diminuirão os custos de insumos e ajudarão a reduzir os problemas ambientais (Office of Technology Assessment, 1992). Ao questionar os mitos da biotecnologia, neste livro se mostra a engenharia genética como o que ela realmente é: outra trama tecnológica ou outra “varinha mágica” destinada a burlar os problemas ambientais da agricultura (que são o produto de uma trama tecnológica anterior) sem questionar as suposições defeituosas que ocasionaram os problemas pela primeira vez (Hindmarsh, 1991). A biotecnologia promove soluções baseadas no uso de genes individuais para os problemas derivados de sistemas de monocultura ecologicamente instáveis, desenhados sobre modelos industriais de eficiência. Tal enfoque unilateral e reducionista já provou que não é ecologicamente sólido no caso dos pesticidas, enfoque que também adotou um modelo semelhante usando o paradigma “uma praga – um químico”, comparável à proposta “uma praga – um gene” promovida pela biotecnologia (Pimentel et al., 1992).
A agricultura industrial moderna, hoje convertida em epítome pela biotecnologia, se baseia em uma premissa filosófica que é fundamentalmente errônea e que necessita ser exposta e criticada, para que dê lugar a uma agricultura verdadeiramente sustentável. Isto é particularmente relevante no caso da biotecnologia, onde a aliança da ciência reducionista com a indústria multinacional monopolizadora levou a agricultura para um caminho equivocado. A biotecnologia percebe os problemas agrícolas como deficiências genéticas dos organismos e trata a natureza como uma mercadoria e, além disso, torna os agricultores mais dependentes de um setor dos agronegócios que concentra cada vez mais seu poder sobre o sistema agroalimentar.