Políticas Ambientais na China
A
gestão ambiental na China foi estimulada, em grande parte, pela conferência de
1972 das Nações Unidas (ONU) sobre o meio ambiente humano. Assim, a primeira
conferência nacional sobre proteção ambiental na China, em 1973, permitiu a
formação de um grupo de especialistas sob o Conselho Estatal cujo trabalho
resultou, em 1974, na publicação de um documento que recomendava políticas
pró-ativas de proteção ambiental. De acordo com esse documento, o Estado deve
gerenciar o meio ambiente ao invés de simplesmente tentar controlar a poluição.
Em
resposta à poluição atmosférica, à poluição da água e ao descarte de resíduos
sólidos, a Lei de Proteção Ambiental foi aprovada em 1979 e começou o processo
de desenvolvimento de uma base legal para a proteção ambiental. Ela estabelecia
o Sistema de Avaliação de Impacto Ambiental como uma exigência para cada
projeto novo, de reforma, ou de expansão. Esse desenvolvimento de políticas
ambientais coincidiu com e também foi influenciado pelas reformas econômicas dos
anos 1980 e pela crescente abertura aos mercados estrangeiros.
Além
disso, como uma resposta aos danos ambientais, em 1984 ocorreram mudanças na
política, quando o Conselho Estatal instituiu a Agência de Proteção Ambiental
Nacional (Nepa), responsável pela coordenação de atividades ambientais entre os
ministérios relevantes. Diversas mudanças na política ocorreram após 1984.
Managi e Kaneko destacaram, em artigo de 2010, a aprovação da Lei de
Prevenção da Poluição Atmosférica e do Controle da República Popular da China
(LAPPC), em 1987. De acordo com ela, toda companhia poluidora precisa seguir as
regras para o controle da poluição. Outras políticas e regulamentos foram
aprovados pelo governo e uma série de padrões nacionais relativos à qualidade
do ar foi estabelecida.
A
base fundamental para as leis ambientais repousa sobre a Lei de Proteção
Ambiental de 1989. Ela estabelece quatro princípios: a coordenação da proteção
ambiental, a prevenção de poluição, a responsabilidade do poluidor e a
importância da gestão ambiental. A lei autorizou o Nepa a criar padrões de
qualidade ambiental e para os descartes e emissões de poluentes. Ela também
permitiu que as autoridades locais criassem seus próprios padrões para qualquer
coisa não determinada nos padrões nacionais e para estabelecer padrões mais
restritivos, se necessária, do que os nacionais.
A
proteção ambiental apenas começou, realmente, a exercer plena presença na
agenda política na China a partir dos anos 1990, quando seis leis e
regulamentos ambientais foram revisados e/ou aprovados. Uma das mudanças mais
significativas na política foi a revisão do Código de Painel da República
Popular da China, em 1997. Ele adicionou novos artigos referentes à
responsabilidade de danos e proteção de recursos naturais e do meio ambiente, e
responsabilidade sobre a falta de gestão ambiental.
Muita
atenção tem sido direcionada à redução de emissões de poluentes atmosféricos e
à melhoria da qualidade do ar na China. Como exemplos, podemos citar uma série
de leis, regulamentos, e padrões tais como a Lei na Prevenção e Controle da
Poluição Atmosférica, os Padrões Ambientais Nacionais da Qualidade do Ar
(GB3095-1996) e os Padrões de Emissão de Poluentes Atmosféricos para as
Centrais de Energia Térmica (GB13223-2003). De acordo com a literatura as
emissões de SO2 (dióxido de enxofre) foram controladas com sucesso em Beijing,
mas não em outras cidades como Xangai ou as cidades do delta do rio Pérola.
Muita atenção também tem sido dedicada à redução de emissões veiculares. Embora
o número de veículos aumente em cerca de 10% ao ano em Beijing, Xangai e nas
cidades do delta do rio Pérola, as concentrações de NO2 (dióxido de nitrogênio)
e de CO2 (dióxido de carbono) não aumentaram devido às medidas de controle
eficazes.
Em
1998, o Nepa foi promovido de sub-ministério a Ministério: a Administração de
Proteção Ambiental do Estado (Sepa). Em 2008, a Sepa foi rebatizada como Ministério da
Proteção Ambiental (MEP) e elevado a ministério pleno sob o Conselho Estatal.
Essa mudança foi considerada como um sinal do desejo do governo chinês em
realizar sérios esforços para melhorar o meio ambiente. O MEP é o principal
órgão de formulação e execução de políticas ambientais. Ele abrange diversas
diretorias de prevenção de poluição em níveis estaduais, municipais e
distritais que pareceriam cumprir exigências normais para a execução de leis e
o incentivo do bom comportamento ambiental. Estas diretorias podem realizar
inspeções surpresa e os governos centrais e locais podem impor penalidades para
as quebras dos regulamentos.
Além
disso, a China tem as leis que tratam questões específicas e setores
específicos tais como o ambiente marinho, o ar, a água e assim por
diante. Além das leis nacionais há muitas leis regionais e locais que abordam o
meio ambiente. De acordo com os resultados publicados Huang at ali (2010), a
política ambiental chinesa deu mais atenção às questões da água e da poluição
atmosférica; a poluição radioativa também tem recebido grande interesse. Os
instrumentos da política mudaram de ênfase em regulamentos de
comando-e-controle para incentivos econômicos.
Preocupações sobre energia na China
Outro
interesse ambiental importante na China diz respeito à energia. As plantas
termoelétricas de carvão prevalecem no país, o que é, indiscutivelmente, o
maior contribuinte às mudanças climáticas no mundo. O carvão responde por mais
de 70% do consumo total de energia, e as emissões da combustão do carvão são as
principais contribuições antropogênicas à poluição atmosférica no país.
De
1980 a 2001, a China conseguiu
limitar o crescimento da demanda por energia a menos da metade do crescimento
do produto interno bruto (PIB). De acordo com Zhou(2010), isso foi possível com
programas de eficiência energética muito agressivos organizados pelo governo central
que trabalha juntamente com as autoridades estatais e municipais. Os centros de
serviço de conservação de energia e os empréstimos de eficiência energética
eram ferramentas políticas inovadoras e eficazes. O efeito dessas políticas e
programas foi sentido pelo fato de que a demanda por energia cresceu em
velocidade inferior à metade da velocidade de crescimento do PIB. Entretanto, a
situação mudou radicalmente a partir de 2002, quando o uso de energia por
unidade do PIB aumentou uma média de 3.8% por um ano, entre 2002 e 2005. No
reconhecimento do ritmo insustentável de crescimento da demanda por energia e
de suas consequências adversas associadas, a China criou e recriou um
instrumento de política para projetar e executar a eficiência energética na economia
a partir de 2006, visando reduzir a intensidade energética em 20% em cinco
anos.
Para
o autor a China está fazendo um trabalho de busca por maiores níveis de
eficiência energética. Reformas foram iniciadas em todos os níveis de governo,
e seu impacto está sendo sentido por toda economia. Leis foram aprovadas,
regulamentos promulgados, novos programas foram criados e executados em todos
os estados e em muitos municípios. Alguns dos esforços mais significativos
incluem a criação do programa da empresa Top-1000, a recriação de um
fundo mensurável de investimentos em eficiência energética, a forte defesa, em
todos os níveis, do Partido Comunista e do governo para a eficiência
energética, e a crescente atenção na aplicação de políticas de eficiência energética
em todos os setores.
A
população urbana em China deverá crescer nas próximas décadas.
Consequentemente, as fontes de energia renováveis, tais como a eólica e solar,
ganharam importância e investimentos de modo a sustentar mudanças
significativas no padrão de consumo de energia. Há iniciativas relevantes nos
dois tipos de captação de energia pelo país. Por exemplo, de acordo com
Oliveira (2011), a China dobrou sua capacidade de energia eólica desde 2005 e
está a ponto de alcançar os EUA como maior mercado mundial para as turbinas
correspondentes. Seis grandes projetos de energia eólica estão em construção em
várias partes do território chinês, cada um com capacidade de 16 termoelétricas
a carvão. Além disso, a maior central energética solar do mundo será construída
até 2019, na Mongólia, com tamanho aproximadamente trinta vezes maior do que as
centrais energéticas solares da Europa.
Ambientalismo chinês
O
crescente nível de consciência ambiental dos cidadãos chineses é manifestado na
organização de organizações não governamentais (ONGs) ambientais e de grupos
voluntários. Embora o Estado imponha restrições no crescimento, na forma, nas
funções e nas estratégias de organizações da sociedade civil, os últimos anos
testemunharam um rápido crescimento de ONGs ambientais. De acordo com Xie
(2011), em 2008, 3.539 grupos ambientais tinham sido registrados pelo
Ministério de Assuntos Civis ou de seus departamentos locais1.
As
ONGs ambientais têm sido ativas em aumentar a consciência ambiental do público,
monitorando empresas poluidoras e participando na tomada de decisão ambiental
mesmo que falte recursos para o desenvolvimento organizacional tal como
pessoal, infraestrutura, ou financiamento. Eles estão habilitados a participar
em consultas políticas, como prescrito na Lei Ambiental de Planejamento
Estratégico.
O
movimento ambiental chinês começou em meados dos anos 1980, com ativistas e
cientistas que chamaram atenção para a conscientização ambiental pública para
parar a construção da Barragem das Três Gargantas. O movimento gerou efeitos
educativos e alertou o público para os problemas ambientais em grande escala
escondidos debaixo da crescente economia do país.
Depois
da Rio 92, a
China publicou sua Agenda 21,
a primeira orientação governamental para realizar o
desenvolvimento sustentável. No processo de implementação desse documento, o
governo chinês recebeu o auxílio das Nações Unidas e de países estrangeiros,
que reforçaram a importância da parceria do governo com os vários atores
não-estatais, incluindo as ONGs. Pouquíssimas ONGs de base existiram na China
no início dos anos 1990, entretanto, a partir de meados dos anos 1990, o país
testemunhou o estabelecimento de dezenas de ONGs ambientais organizadas pelo
governo. Suas tarefas são determinadas, sobretudo, pelas agências
governamentais às quais elas estão intimamente relacionadas. Elas servem à
estrutura política por meio do reforço de suas políticas e de atividades de
monitoramento. As ONGs ambientais desempenham papel ativo, por exemplo, na
resposta à internalização de programas de proteção ambiental, na obtenção de
auxílio internacional, e na mobilização de expertise internacional.
A
partir dos anos 1990, foram identificadas mudanças dinâmicas na estrutura de
oportunidades políticas da China, com mais pontos de acesso fornecidos para o
movimento ambiental, o que mais tarde teria impacto crescente nos processos de
tomada de decisão do país. Nesse sentido, outro marco na história do ativismo
ambiental ocorreu em 1994, quando o Amigos da Natureza (FoN) se estabeleceram em Beijing. Foi a
primeira vez que uma organização formal inteiramente voltada para o
ambientalismo foi estabelecida, em oposição à propaganda oficial do crescimento
econômico linear. Para Wu (2009) a partir do FoN, o ativismo ambiental na China
entrou em uma nova fase, e as ONGs tornaram-se as principais estruturas de
organização. Após isso, diversos outros grupos ambientais ganharam o status
formal em Beijing e em outras partes do país, como: Vila Global de Beijing,
Voluntários Verdes de Chongqing, a Associação Civil Verde da cidade de Weihai
(Shandong), a Associação dos Fazendeiros para a Proteção da Biodiversidade das
Montanhas de Gaoligong em Yunnan, os Voluntários da Terra Verde de Beijing, e
os Rios Verdes de Sichuan. Esses grupos organizaram as atividades de educação
pública, campanhas de mídia contra os casos de poluição, e defenderam soluções
de política alternativa em suas cidades natais.
Nas
duas últimas décadas o ativismo ambiental avançou, sobretudo por influência de
sua crescente participação na governança ambiental global e por sua interação
com ONGs internacionais. O movimento ambiental chinês interage com o movimento
ambiental transnacional desde seu surgimento. Em 2011, de acordo com análises
de Xie, o movimento evoluiu da defesa de questões pontuais a questões mais
amplas, o que aproximou, não apenas os interesses ambientais mas também a
justiça social e direitos civis e questões mais globais de energia, de proteção
da biodiversidade e de mudança climática.
Apesar
do rápido crescimento no número total de grupos ambientais autônomos e de base
voluntária pelo país, acadêmicos discordam sobre a relevância política dessa
comunidade. Alguns argumentam que a base do ambientalismo na China está
fragmentada e muito localizada; e, consequentemente, incapaz de mobilizar
demonstrações de resistência que se oponham às políticas governamentais. Outros
observam que as ONGs e os ativistas ambientais chineses estão tratando, de modo
delicado, dos desafios políticos, e conseguiram alcançar seus objetivos.
Desde
agosto de 2003, os ativistas ambientais de Beijing e de Yunnan, junto com ONGs
internacionais, mobilizaram com sucesso um grande número de meios de
comunicação chineses, ONGs e profissionais para juntarem-se à campanha contra o
projeto de construção da represa no rio Nu, no nordeste de Yunnan. Um dos
resultados dessa mobilização era a formação da Rede do Rio em Beijing, em 2004.
Até hoje, a proposta da represa do rio Nu ainda está sob ciclos de
replanejamento, de rejeição e de re-submissão. O governo estatal justifica que
mais energia de baixa emissão de carbono se faz necessária para cumprir os
compromissos climáticos da economia com crescimento rápido.
Questões ambientais globais: a perspectiva chinesa
A
fim de lidar com uma crescente escala de problemas ambientais globais, o
governo chinês torna-se mais engajado no tratamento de inúmeros problemas
ambientais mundiais ao longo das últimas décadas.
Nos
anos 1990, o Conselho Estatal divulgou a declaração sobre "Problemas e
posições relativas às questões ambientais globais”, cujos princípios guiaram a
posição da China nas negociações internacionais do clima. Elas enfatizam a
responsabilidade de países desenvolvidos pela deterioração do meio ambiente; a
harmonia entre a proteção ambiental e o desenvolvimento econômico; o
reconhecimento do direito dos países em desenvolvimento em desenvolverem-se; a
equidade soberana de todos os países; e a necessidade de se criar fundos para
países em desenvolvimento.
No
que diz respeito às mudanças climáticas, a China decidiu se engajar no debate
internacional, estabelecendo estruturas domésticas apropriadas e colaborando
com a UNFCCC (Convenção-Quadro
das Nações Unidas sobre a Mudança Climática) em negociações internacionais que
resultaram no protocolo de Kyoto. Igualmente, enquanto membro do conselho do
Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (Pnua),
a China adotou e assinou 50 tratados internacionais, mais de 15 áreas de
convenções e 27 acordos bilaterais relativos à proteção ambiental durante os
anos 1990. No entanto, como as negociações internacionais formadas estavam se
consolidando e tiveram que ser absorvidas internamente, as intenções das
delegações chinesas se opuseram às aspirações internacionais. Prevaleceu a
determinação para que as políticas globais não reduzissem o ritmo de
crescimento no país.
Entretanto,
as emissões de GEE (gases do efeito estufa) na China mantêm-se em elevação2
e, devido à pressão da comunidade internacional, o país começou a ter um papel
mais proativo no que diz respeito a compromissos concretos sobre mudanças
climáticas. Em 2007, a
China anunciou seu Programa Nacional de Mudanças Climáticas e criou o Grupo de
Liderança Nacional sobre Mudanças Climáticas. Em 2009, a China se
comprometeu junto à comunidade internacional sobre a decisão de cortar
significativamente suas emissões de gases estufa até 2020, aumentando o uso de
combustíveis “limpos” em 15%, aumentando o ritmo de reflorestamento e
desenvolvendo uma “economia verde”. Entretanto, de acordo com a liderança
chinesa, isso não será cumprido caso diminua o desenvolvimento social do país.
Conformemente,
a China adotou uma série de políticas e de programas que visam mitigar as
mudanças climáticas. Por exemplo, Oliveira (2011) nota que o Instituto Nacional
de Padronização adotou novas regras para regulamentar a eficiência de
dispositivos elétricos, com o objetivo de reduzir em 10% o consumo de
eletricidade até o ano de 2010. Em cidades como Beijing, Chungquing, Xangai e
Tianjin adotaram-se medidas para reduzir 65% do consumo de energia em edifícios
públicos. No setor de transportes, a China já tem uma das maiores frotas
mundiais de ônibus que funcionam com gás natural comprimido. O país também está
investindo em carros elétricos, desenvolvendo projetos de mecanismo de desenvolvimento
limpo (MDL), criando grupos de lideranças e instituições de pesquisa.
Outras
questões ambientais globais que têm recebido atenção na China são: proteção da
biodiversidade, controle de desertificação, segurança nuclear, proteção da
camada de ozônio e poluição marinha.
Leila da Costa Ferreira é professora titular Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas (IFCH), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e é professora
visitante no Programa top China-Shangai Jio Tong University/Summer Course, na
China. Atualmente coordena o Grupo de Estudos Brasil/China junto ao Centro de
Estudos Avançados da Unicamp.
Fabiana Barbi é doutoranda em ambiente e sociedade no Núcleo de Estudos
e Pesquisas Ambientais (Nepam), IFCH, da Unicamp.
Este artigo foi originalmente publicado em inglês como resultado de
apresentação oral na conferência internacional Social Justice in Transition
Societies: China and the world. Fudan University. Xangai, China. Dias 3 e 4 de
dezembro de 2011
Notas de rodapé
1 Este
dado não inclui ONGs ambientais não registradas, organizações com base na
internet, ou ONGs registradas como organizações de negócio. Alguns estimam que
o número total de organizações ambientais não registradas seja superior a
2.000.
2 De 1994 a 2004, a média anual da taxa
de crescimento da emissão de GEE estava em torno de 4%. A partir de 2006, a China ultrapassou
os EUAe se tornou o maior emissor de GEE.