O Estado
Democrático de Direito, aquele que se curva á lei e a vontade popular, tem a
consagração dos direitos e garantias fundamentais. Dentro destes direitos e
garantias está o de vivermos em um meio ambiente ecologicamente equilibrado, que
permite vida com dignidade, sendo que tal direito está expresso na Constituição
Federal do Brasil de 1988 no seu artigo 225; em consonância com as perspectivas
de proteção ambiental que ocorre no mundo. Dentro deste meio ambiente
equilibrado, como elemento fundamental para o viver encontra-se a água, que
possui várias funções diante do homem, sendo a principal a de lhe prover a
vida, visto que se precisa absolutamente dela no aspecto fisiológico; e o de
prover o desenvolvimento, pois é muito utilizada na agricultura, nas
indústrias, geração de energia elétrica, entre outros. Porém, diante de suas
características de essenciabilidade, gerou forte cobiça econômica perante a
iniciativa privada, que propiciou o acontecimento da privatização da água como
um fenômeno mundial. Esta adquiriu forte valor econômico e se tornou o bem mais
valioso do século, sendo gerida pela iniciativa privada em não mais pelo poder
público em vários lugares do mundo. Desta forma, o ser humano que tem o direito
incondicional à água, que é um bem comum de toda humanidade, se viu privado
dela, pois a mesma se tornou muito cara, sendo acessível somente aos que
possuem estabilidade econômica, e inacessível aos mais carentes. Este fator
pode estimular a ocorrência de um colapso em várias partes do mundo pela falta
de oportunizar o consumo da água a todos é um direito inerente ao ser humano.
O presente artigo científico tem como objetivos
gerais a verificação do conceito de
direito e garantia fundamental, a definição de meio ambiente ecologicamente
equilibrado na Constituição Federal, conceituação da água como elemento do meio
ambiente e de suas potencialidades e questão do acesso para todos e a
privatização.
Como objetivos específicos que foram desenvolvidos
apresenta-se o esclarecimento do por que da água ser um patrimônio comum da
humanidade, a comprovação da indispensabilidade ao ser humano e
conseqüentemente o seu direito de acesso para todos, demonstração de que a água
adquiriu um alto valor econômico e com isso se tornou motivo de disputa entre
grandes corporações internacionais,elucidação de que a privatização restringe o
acesso que é indispensável para todo e qualquer cidadão. Por fim, há a
explicação de que os interesses privados não podem ser superiores aos
interesses públicos.
A metodologia aplicada para a explanação deste tema
foi o de revisão bibliográfica de obras que se adequassem ao tema, ou seja,
obras de direito ambiental, de direito constitucional entre outras que somaram
para a realização deste trabalho.
Os métodos de abordagem usados foram o dedutivo e o
hermenêutico. O método dedutivo foi utilizado a partir da relação entre
enunciados básicos, denominados premissas, a fim de tirar-se uma conclusão. Partiu-se
do geral ao particular, visando explicitar o conteúdo das premissas. A água foi
pesquisada como um recurso indispensável à sobrevivência dos seres humanos, o
qual todos tem o direito ao acesso e que não pode ser afetada enquanto direito
fundamental pela privatização das águas. O método hermenêutico, ocorreu através
da definição de conceitos. Explanou-se o conceito de direitos fundamentais, de
meio ambiente ecologicamente equilibrado, de água, indispensabilidade para os
seres humanos, direito de acesso para todos, contrapondo-se ao conceito de
privatização.
O método de procedimento utilizado foi o
estruturalista, que parte da investigação de um fenômeno concreto e eleva-se a
um nível abstrato, por intermédio da construção de um modelo que represente o
objeto de estudo, retornando a seguir ao caso concreto. Investiga-se a água
como um bem que a todos pertence e que tem que ter seu direito de acesso
garantido a qualquer cidadão perante o fenômeno da privatização das águas. Esta
ocorre e não pode cercear este direito em prol dos poderosos do mundo, visto
que é de grande importância para sobrevivência do ser humano o consumo da
mesma, já que se apresenta como um direito e garantia fundamental.
Para o melhor desenvolvimento deste trabalho, o tema
foi dividido em dois capítulos: Direito Fundamental ao Meio Ambiente
Ecologicamente Equilibrado e a Privatização da Água.
Por fim, em face de um tema tão polêmico, a
elucidação do assunto em forma de pesquisa bibliográfica mostra-se de grande
utilidade para evidenciar o que está ocorrendo no cenário mundial sobre o
assunto. Sendo de substancial relevância para a formação cultural aos acadêmicos das ciências jurídicas, como de
outras áreas e estudiosos, que sempre
necessitam estar situados nos
acontecimentos que se desenrolam nas sociedades humanas; uma vez que adotam
posturas, entendimentos e convicções que tendem a se adequar aos
desenvolvimentos dos grupos sociais e do o aprimoramento das leis do direito;
devendo ser apresentadas como as mais
convincentes e adequadas à realidade.
Direito fundamental ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado
Este capítulo tratará do direito
a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, como um direito e garantia
fundamental, que existe num Estado Democrático de Direito. E dentro deste meio
ambiente como direito, ficará explícita a importância que a água tem para
prover a vida e o desenvolvimento do ser humano, e em face disso, é um bem que
pertence a toda humanidade.
Dos Direitos Fundamentais
Os Direitos Fundamentais são
consagrados, e principalmente forte caracterizadores dos Estados que adotam a
forma Democrática de Direito. Ao se adotar esta forma de Estado confere-se
unicidade a direitos e garantias que são
inerentes a personalidade humana conferindo dignidade às pessoas.
Cumpre-se observar preliminarmente, que o Estado
Democrático de Direito, o qual preconiza os direitos fundamentais, surge
somente como um Estado de Direito no fim do século XVIII, início do século XIX;
como uma revolta burguesa aos que se opunham ao Absolutismo, fazendo com que os
governantes se rogassem absolutamente à lei (BASTOS, 2000, p. 157).
Isso significa que, esta forma de Estado é muito
recente e, abandonou os determinismos de um único soberano, fazendo com que
todos que compunham o Estado se rendessem à lei, que desta vez atinge a todos
de uma forma geral, não excluindo ninguém de seus domínios.
Porém, a postura adotada pelo mesmo e mencionada
anteriormente, permitiu como um Estado
Formalista, um quase absolutismo do
contrato, da livre empresa e da propriedade privada. Por sua vez, com esses
entraves, houve a necessidade de se
redinamizar o Estado para que além das tarefas já consagradas, também
desempenhasse tarefas de cunho social, surgindo assim a Democratização do
Estado (BASTOS, 2000, p.157).
Aliás, o processo de democratização,
no qual o Estado de Direito se torna um Estado Democrático de Direito dá-se no
final do século XIX, início do século XX; espaço em que este processo faz com
que haja submissão por parte do Estado à
lei e a vontade popular, ou seja, ouve-se o povo, preconizando direitos e
garantias fundamentais (BASTOS, 2000, p. 157).
Nesse passo posiciona-se o nobre doutrinador
Alexandre de Moraes (2001, p.49):
O Estado Democrático de Direito, que significa a
exigência de reger-se por normas democráticas, com eleições livres e periódicas
e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais [...]
Oportuno se torna dizer que os direitos fundamentais
são característicos do sistema democrático, limitando a ação dos cidadãos e do
próprio Estado, que diante da existência destes direitos não pode gerar nenhuma
ação que burle os mesmos (MORAES, 2001, p. 56).
Tais direitos ora em questão, são inerentes à
condição de ser humano, assim, são essenciais para o desenvolvimento do homem
como pessoa gozando de todas as prerrogativas para melhor desenvolver-se.
Como definição de Direitos Fundamentais, José Afonso
da Silva (2001, p. 182), ensina o seguinte o fundamento:
No qualitativo fundamentais acha-se a
indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana
não se realiza, não convive e, às vezes, nem sobrevive;fundamentais do homem
no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente
reconhecidos,mas concreta e materialmente efetivados . Do homem, não
como macho da espécie, mas no sentido de pessoa humana. Direitos
Fundamentais do homem significa Direitos Fundamentais da pessoa humana ou
direitos fundamentais [grifo do autor].
Para melhor ilustrar o conceito em questão, José
Joaquim Gomes Canotilho, (1998, p. 359), expressa a diferenciação entre direitos do homem e direitos fundamentais :
As expressões <> e
<>são freqüentemente utilizadas como
sinónimas. Segundo sua origem e significado poderíamos distingui-las da
seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os
povos e em todos os tempos(dimensão jusnaturalista-universalista);direitos
fundamentais são direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos
e limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria
natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os
direitos fundamentais seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem
jurídica concreta [grifo do autor].
Na Constituição de um Estado se encontram expressos
os direitos fundamentais ao homem, sendo o ordenamento de maior peso dentro de
uma ordem jurídica, já que a mesma é a lei fundamental e superior que regula
uma sociedade.
Conseqüentemente, há uma relação de que os direitos
fundamentais são direitos jurídicos positivados numa ordem de status
constitucional, ou seja, incorpora-se direitos considerados inalienáveis e
naturais do indivíduo numa dimensão de Fundamental Rights, ou seja,
normas constitucionais (CANOTILHO,1998, p.347).
No Brasil, a Constituição Federal de 1988, congregou
em seu Título II
os direitos e garantias individuais.
Estes foram subdivididos em cinco capítulos: direitos individuais e
coletivos; direitos sociais; nacionalidade; direitos políticos e partidos
políticos.
No entanto, a doutrina modernamente apresenta,
baseada em Norberto
Bobbio a classificação de direitos fundamentais em primeira, segunda e terceira geração.
Os direitos considerados como de primeira geração
são os individuais e políticos clássicos, que vem a partir da Magna Carta; os
que são chamados de segunda geração, são classificados como direitos sociais,
econômicos e culturais; e finaliza-se com a terceira geração que traz os
chamados direitos de solidariedade ou fraternidade. Estes dedicam o direito a
um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, a
paz, a autodeterminação dos povos (MORAES, 2001, p.57-8).
Vale lembrar que os direitos de primeira geração, ou
seja, direitos civis, são chamados de direitos negativos, pois o titular do
direito é o indivíduo singularmente considerado; os direitos de segunda
geração, isso é, direitos econômicos e sociais,
são chamados de direitos positivos, porque o titular do direito é o
sujeito coletivo; e por fim, os direitos de terceira geração ou direitos
coletivos e difusos, são direitos positivos e negativos, pois abrangem o
indivíduo, singularmente falando; e os indivíduos no aspecto coletivo (SILVA,
2002, p. 51-2).
Deve-se salientar que se diz que os direitos
fundamentais são de caráter histórico, pois evoluíram e ampliaram-se com o
passar do tempo. Por isso é que se fala em gerações de direitos, uma vez que
cada etapa da história novos direitos fundamentais surgem (SILVA, 2002, p.51).
2O direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado na Constituição Federal do Brasil:
Mesmo antes da promulgação da Carta Constitucional
Brasileira, o Supremo Tribunal Federal já admitia a proteção ao meio ambiente
como um direito de terceira geração. A ementa MS22164/SP – Tribunal Pleno, rel.
Min. Celso de Mello, DJU 17.11.1985, p. 39206; demonstra a afirmação (SILVA,
2002, p.55-6):
A questão do direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado.direito de terceira geração. Princípio da solidariedade. O direito
à integridade ao meio ambiente.Típico direito de terceira geração. Constitui
prerrogativa jurídica de titularidade coletiva , refletindo,dentro do processo
de afirmação dos direitos humanos , a expressão significativa de um poder
atribuído não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido
verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social.Enquanto os
direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as
liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e
os direitos da segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que
se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o
princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações
sociais, consagram o princípio da
solidariedade e constituem um momento importante no processo de
desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos,caracterizados
, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela de uma essencial
inexauribilidade.Considerações doutrinárias.
Nota-se que a proteção ao meio ambiente, como um
direito fundamental de terceira geração, não tem como titular apenas um
indivíduo ou determinado grupo, mas sim todo o gênero humano, como afirmação de
sua existência de uma maneira real e concreta. É um direito positivo e negativo
porque exige que o Estado, por si mesmo, respeite a qualidade do meio ambiente,
sob outra perspectiva, exige que o poder público seja garantidor da
incolumidade do bem jurídico, ou seja, que não seja prejudicado, para que não
afete a qualidade de vida. Conclui-se que é um dos direitos mais completos,
pois não é somente negativo como os de primeira geração e nem somente positivo
como os de segunda geração, mas sim de ambos os aspectos (SILVA, 2002, p. 52).
Em decorrência da consagração dos Direitos e
Garantias Fundamentais em
nossa Constituição, neste capítulo, a discussão gira em torno
de um direito específico de terceira geração, o direito essencial a um meio
ambiente ecologicamente equilibrado e sadio para a sobrevivência do ser humano.
A Magna Carta Brasileira aglutinou em seu corpo de
normas o Título VIII que se refere à Ordem Social, na qual existe o Capítulo VI
que consagra o Meio Ambiente como elemento de proteção constitucional.
Ao prestigiar a proteção ao direito de um meio
ambiente ecologicamente equilibrado, a Constituição Brasileira fixou de maneira
proclamada e cabal um amparo a esse direito que já existia nos ordenamentos
jurídicos mais antigos. (MACHADO
apud MORAES, 2001, P. 667)
Não obstante a preocupação com o meio ambiente seja
antiga em vários ordenamentos jurídicos, inclusive nas Ordenações Filipinas que
previam no Livro Quinto, Título LXXV, pena gravíssima ao agente que cortasse
árvore ou fruto , sujeitando-o ao açoite e ao degredo para a África por quatro
anos, se o dano fosse mínimo, caso contrário o degredo seria para sempre;as
nossas Constituições anteriores, diferentemente da atual que destinou um
capítulo para sua proteção, com ele nunca se preocuparam.
Importante frisar que anterior as Ordenações
Filipinas, houve as Ordenações Afonsinas, que tanto uma quanto à outra, estavam
em vigor em Portugal na época do descobrimento do Brasil. A Ordenação Afonsina
continha determinações proibitivas de que não se podia atirar aos rios e lagos
material que pudesse matar os peixes ou perturbar seu desenvolvimento (ROCHA,
2000, p. 184).
Além desses ordenamentos, existiram documentos que
construíram a história do direito ambiental, como o Código de Hamurabi, o Livro
dos mortos do Antigo Egito e o hino Persa de Zaratustra, e a Lei Mosaica que
determinava que em caso de guerra que fosse poupado o arvoredo; ou seja, desde
as civilizações mais antigas existe um respeito
imaculado à natureza (MARUM, 2002, p. 129).
As primeiras leis da humanidade, fixadas por
escrito, foram códigos que regulavam o uso da água, há 4000 a. C sobre a
regência de Hamurabi em 1700 a . C, a Mesopotâmia
produziu o primeiro código de leis abrangentes da história que compreende sem
ordenamento rígido, 282 parágrafos para regulamentar a vida social. No
parágrafo 53 diz: “se alguém se exime de manter seu dique em boas condições, se
este dique se romper e todas as lavouras forem alagados, então o responsável pelo
dique rompido será vendido como escravo, e a renda em dinheiro devem repor os
cereais cuja destruição causou” (BORGES, 2001, p. 70-5).
Também na Magna Carta outorgada por João Sem–Terra
em 1215 havia dispositivos que consagravam disposições em relação a florestas.
Tal documento posteriormente à sua outorga foi dividido em duas partes, isso é,
a Carta das Florestas e a Carta das Liberdades, que hoje é reverenciada em
todos os ordenamentos jurídicos. Na Carta das Florestas era determinada que
todas as florestas pertenciam ao rei, vedando aos súditos de praticar a caça e
a exploração de madeiras nas mesmas (MARUM, 2002, p. 129).
Desta forma, esclarece-se a importância desde os
tempos mais remotos da preservação do ambiente de vivência para que se
apresente a todos de uma maneira sadia que proclame a vida.
De grande valia é destacar que até atingir-se a
consagração na Constituição de uma proteção ao meio ambiente houve uma evolução
legislativa para que isso ocorresse no Brasil. Em 1938 houve a edição do Código
de Águas, em 1965 do Código Florestal, em 1967 do Código de Pesca e também do
Código de Mineração, e em 1980 do Código Brasileiro do Ar (ROCHA, 2000,
p. 184).
Porém, a tutela que era conferida se apresentava num
enfoque eminentemente econômico, eventualmente se protegia o meio ambiente
nessas legislações. Mas em 1972, na Conferência da ONU sobre o Ambiente Humano
é que surge a preocupação com questões ambientais e em Estocolmo emerge a importância de uma educação ambiental para
todos que habitam o planeta (ROCHA, 2000, p. 185).
A partir desta nova inquietação sobre o meio
ambiente, necessitou-se de um regramento especial no Brasil para que se
acompanhasse a tendência mundial. No dia 31 de Agosto de 1981 foi editada e
denominada a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, sendo a primeira com
exclusiva preocupação ambiental com tutela direta para a coletividade. Em
seguida há a edição em 24 de Julho de 1985 da Lei que disciplina a ação civil
pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, fornecendo
instrumentos processuais para coibir e reparar danos à natureza (ROCHA, 2000,
p. 185).
E de maior relevância tem-se então a proteção
constitucional. O artigo 225 da Constituição Federal Brasileira de 1988 vem
corroborar de maneira evidente o texto
que defende o meio ambiente, ratificando
o grande valor que existe para o poder
público e para o direito, de que o mesmo é garantia de vida digna para todos
(MEDAUAR, 2004, p. 132):
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e á
coletividade o dever de defende-lo e preserva-lo para as presentes e futuras
gerações.
Conforme o autor Jorge Alberto de Oliveira Marum
(2002, p. 133) a Constituição de 1988 vai de encontro com a democracia e com a
plena garantia de direitos fundamentais, colocando em seu texto pela primeira
vez o meio ambiente como bem tutelado:
[...]a
par dos direitos e deveres individuais e coletivos elencados no art.5°, acrescentou
o legislador constituinte, no caput do art. 225 ,um novo direito
fundamental da pessoa humana, direcionado ao desfrute de condições de vida
adequada em um meio ambiente saudável ou, na dicção da lei, ecologicamente
equilibrado[...]
Possuí-se evidentemente uma norma que tem a função
de gerar o amparo ao ambiente e como sendo uma norma constitucional, em um
ordenamento jurídico, se torna superior. Assim, afasta do sistema qualquer
outra norma que possa destoar do seu princípio maior, a proteção, já que gozam
de supremacia e rigidez constitucionais (ROCHA, 2000, p. 188).
Segundo as palavras de Celso Antonio Pacheco
Fiorillo (2003, p. 15) considera-se que:
Assim, temos que o art. 225 estabelece quatro
concepções fundamentais no âmbito do direito ambiental : a) de que todos têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; b) de que o direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado diz respeito à existência de um bem de
uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, criando em nosso ordenamento
o bem ambiental; c)de que a Carta Maior
determina tanto ao Poder Público como à coletividade o dever de defender
o bem ambiental assim como o dever de preserva-lo; d)de que a defesa e a
preservação do bem ambiental estão vinculadas não só às presentes como também
às futuras gerações.
No artigo 225, a sua primeira parte é mais genérica, pois
descreve um direito constitucional de todos, mesmo que não localizado no
capítulo dos diretos e deveres individuais e coletivos, não afasta o seu
conteúdo de direito fundamental. Deste direito de fruição ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado não ocorre nenhuma prerrogativa de utilização
privada deste, não se pode apropiar-se individualmente de parcelas do meio
ambiente para consumo privado porque é um bem de uso de todos (DERANI, 1996, p.
123).
Desde logo se percebe que o legislador
constitucional cuidou de determinar algumas regras de importância neste artigo,
entre elas a titularidade do meio ambiente é dada como bem de uso comum do
povo. Não se pode falar em apropriação do meio ambiente, uma vez que a
propriedade, portanto, com determinação constitucional, deve ter em vista a
utilização correta do meio ambiente. Assim, há uma tutela difusa do meio
ambiente, colocando os bens ambientais sob
a responsabilidade de todos os cidadãos (ARAÚJO, 2002, p. 25).
Ao materializar-se a preocupação com o meio ambiente
na Constituição Brasileira, houve uma adesão à Declaração sobre o Ambiente
Humano, que aconteceu na Conferência das Nações Unidas em Estocolmo, Suécia, em
Junho de 1972; a qual define que o homem tem o direito de ter uma vida digna em
um ambiente que permita condições de viver sadiamente (MORAES, 2001, p.
668):
O homem tem o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas, em um meio
ambiente de qualidade tal que lhe
permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar e é portador solene de
obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e
futuras [...] Os recursos naturais da Terra, incluídos o ar, a
água, o solo, a flora e a fauna e, especialmente, parcelas representativas dos
ecossistemas naturais, devem ser preservados em benefício das gerações atuais e
futuras, mediante um cuidadoso planejamento ou administração adequados[...]
O meio ambiente é onde se desenvolve a vida humana,
por isso é exigido que como sendo um direito fundamental, venha a nos
proporcionar qualidade para viver e progredir (SILVA, 2003, p.58):
Temos dito que o combate aos sistemas de degradação
do meio ambiente convertera-se numa preocupação de todos. A proteção
ambiental (grifo do autor), abrangendo a preservação da Natureza em todos
os seus elementos essenciais à vida humana e à manutenção, do equilíbrio
ecológico, visa a tutelar a qualidade do meio ambiente em função da qualidade
de vida (grifo do autor), como uma forma de direito fundamental da pessoa
humana.
Desta forma, o local onde se vive o meio, deve ser
compreendido de uma maneira ampla, ou seja, são todos os elementos que
interagem com o homem, como o solo, água, o ar, a flora, as belezas naturais, o
patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arqueológico. Enfim,
é a união dos bens da natureza, os bens
da cultura que se relacionam entre si e atingem o homem.
Conforme José Afonso da Silva, a concepção de meio
ambiente deve ser entendida num primeiro instante de uma maneira conexa e
posteriormente de uma maneira isolada (2003, p. 20):
O meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de
elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento
equilibrado da vida em todas as suas formas. A integração busca assumir uma
concepção unitária do ambiente, compreensiva dos recursos naturais e culturais.
Enfim, verifica-se que toda atenção em prol da
preservação, recuperação e revitalização do meio ambiente é algo que é uma
preocupação da qual o poder público e o direito devem se ater, “porque
ele forma a ambiência na qual se move, desenvolve, atua e se expande a vida
humana” (SILVA, 2003, p.21).
Aliás, dentro da ambiência onde se vive não se
desprezando nenhum dos outros elementos formadores que são de suma relevância,
deve-se levar em consideração a proeminência que a água na forma líquida detém
diante da necessidade que os seres humanos possuem em utilizá-la para prover a
sua sobrevivência e desenvolvimento, que são totalmente inviabilizados sem a
mesma. Este será então, o assunto a ser tratado no sub–item a seguir.
Indispensabilidade da água para a sobrevivência e o desenvolvimento dos
seres humanos
A Terra é o planeta vida, planeta água, planeta do
homem, planeta das futuras gerações. Em relação ao planeta deve-se, portanto,
ter responsabilidade social, desenvolvimento sustentável, ética na vida, na
política, na ciência, no trato com a natureza. O ser humano, como cidadão deve
ter consciência sobre “as coisas humanas” e as “coisas vivas”, a vida em
quaisquer das suas expressões (RODRIGUEIRO; CARVALHO, 2002, p. 273).
A vida é o bem mais precioso que o ser humano detém,
pois a partir dela, o homem tem a possibilidade de nascer, crescer e se
desenvolver. Para que possamos viver, o meio onde habitamos deve nos prover
condições de vida.
O direito à vida vem consagrado no Título II,
Capítulo I, art. 5° da Constituição, como um direito fundamental ao indivíduo
(MORAES, 2001, p. 21):
Art.5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e á propriedade[...]
O sentido dado à vida no corpo da
Constituição vai além de seu aspecto biológico, de atividade funcional; mas sim
atinge sua acepção biográfica, ou seja, influência do meio no viver. O mesmo é
um processo que se inicia com a concepção dos seres humanos que se transformam,
progridem, mantêm sua identidade, até que mudam de qualidade; passando do
estágio de vida, para o estágio de morte. E tudo que agir em contrário, em
prejuízo a esse fluir espontâneo e incessante, contraria a vida (SILVA,
2002, p. 53-4).
Para que seja propiciada a existência, o meio deve
estar de acordo, não faltando nenhum elemento condicionante do viver,
principalmente a água. Este líquido incolor e insípido é um componente
importante e especialmente, indispensável a toda e qualquer forma de vida, uma
vez que sem água é impossível viver (ANTUNES, 1998, p. 325).
Necessário é ressaltar o conceito deste componente.
A água é um termo que é derivado do Latim, sendo classificada como um
substantivo feminino; quimicamente é classificada como um Óxido de hidrogênio,
líquido incolor, essencial à vida, possuindo na sua fórmula H2O; é a parte
líquida do globo terrestre, mas se apresenta na atmosfera na forma de vapor, ou
até mesmo no interior do subsolo, onde constitui lençóis aqüíferos (ANTUNES,
1998, p. 336).
No mesmo passo, seria a fase líquida de um composto
químico formado aproximadamente por duas partes de hidrogênio e dezesseis
partes de oxigênio em peso.
Na natureza, ela contém pequenas quantidades de água pesada, de gases e de sólidos,
principalmente de sais em solução (GLOSSÁRIO DE TERMOS HIDROLÓGICOS, 1976, p.
37).
Encontra-se água em toda à parte, isso é, nas
nuvens, no mar, nos rios, nos lagos, em lençóis subterrâneos, no ar, nas
plantas, nos animais, em nosso corpo, existindo até seres que são completamente
constituídos por água, como é o exemplo da medusa; afinal vivemos num planeta
recoberto por água.
Entretanto, equivocadamente pode se imaginar que por
vivermos num Planeta que se chama Terra, mas que deveria se chamar Água, já
que a superfície global é de 2/3 pertencente aos oceanos; que se tem em total
disponibilidade a água que se precisa para a sobrevivência. No entanto, a
qualidade da água doce e até mesmo da salina estão muito ameaçadas, visto que a
escassez e falta de qualidade em várias partes do mundo vem se tornando
crescente e alarmante (ANTUNES, 1998, p. 325).
Neste mesmo sentido, Mauro Valdir Shumacher e Juarez
Martins Hoppe esclarecem essa afirmação, demonstrando que a água doce
disponível e necessária ao ser humano para sobreviver é muito escassa (1998, p.
03):
A grande parte da água do planeta 1,4. 109 Km3
(1 Km3 = 1.000.000.000.000 litros), 97, 137% forma a água
salgada dos oceanos. Dos restantes 2,8635 (40.106 Km3) da
água doce, cerca de 31,4. 106 Km3, (2,24%) estão
armazenados nas geleiras e massa de gelos de pólos. Ainda 8,75. 106
Km3 (0,612%) da água doce é subterrânea. Outros 126.103
Km3 (0,009%) da água doce encontram-se nos mares. Mais 14.103
Km3 (0,001%) encontram-se nas águas correntes de rios, sangas,
cachoeiras, etc. E, finalmente, uma mesma quantia de água, 14.103 Km3,
encontram-se na atmosfera.
Infelizmente estas reservas não aumentam de patamar,
pois a água que temos hoje é a mesma que havia há milhões de anos, com o
diferencial de que hoje a população do globo aumentou e a pouca água disponível
é de difícil acesso e inadequada para o uso, visto que a interferência do homem
foi grande, o que contribuiu para inutilização da mesma para o uso dos seres
vivos.
Desde que houve o resfriamento do globo terrestre,
há muitos milênios, existem os mesmos 1,4 bilhões de metros cúbicos. No
entanto, só pode-se utilizar uma gota deste manancial todo. O porquê disto
reside em que necessitamos de água doce, que se apresenta em somente 2,5% de
toda água do mundo. Registra-se que dessa pequena parte, deve-se retirar dois
terços, os quais se encontram confinados nas calotas polares e no gelo eterno
que sobrou das montanhas, tendo que ser desconsiderado do que sobrou a maior
parte da mesma que se localiza armazenada no subsolo (QUADRADO; VERGARA, 2003,
p. 43).
A água considerada doce é exclusivamente continental
e representa somente 1% da água líquida existente. Essa está à disposição do
homem para seu uso corrente, principalmente no que diz respeito ao preparo de
alimento, por apresentar ausência de sabor e de sais; a mesma é encontrada em
rios, lagos, sangas e córregos (SCHUMACHER; HOPPE, 1998,.p. 10).
No planeta, a água pode ser encontrada em diferentes
estados físicos. Possui-se o estado sólido, que se apresenta na forma de gelo,
situada principalmente nos pólos Norte e Sul e também nas altas montanhas como
nos Andes, na América do Sul; Alpes, na Europa; no Himalaia, na Ásia e no
Kilimanjaro, na África; observando que neste estado o volume de água existente
é de 2% do total. Também se apresenta no estado líquido, totalizando um
percentual de 98%, destacando-se que 97% desse percentual está localizado em
mares e oceanos; o restante encontra-se nos continentes e constitui as águas
superficiais, subsuperficiais e subterrâneas. E por fim, a última forma que a
água se apresenta na Terra é no estado gasoso, a qual é encontrada nas regiões
onde ocorrem vulcões, nos depósitos subterrâneos e, principalmente, na
atmosfera sob forma de vapor d’água. O total de água existente, isso é, 0,005%
encontra-se neste estado (SCHUMACHER; HOPPE, 1998, p.05- 9).
Além desses tipos de água, pode-se encontrar ainda
as águas sulfurosas, que são as que contêm em solução substâncias à base de
enxofre; águas ferruginosas, as quais são as águas ricas em ferro;águas
calcárias que são águas que apresentam várias substâncias em solução, causadas
pela erosão das rochas calcárias. Essas águas são utilizadas em tratamento
médico para controlar diversas deficiências orgânicas. Ainda há as águas
radioativas que emanam radiações por estarem em contato com elementos
radioativos. Podem ser utilizadas para consumo como água mineral, quando
atendem a certos limites de radiação,
podendo, nesses casos, fazer bem à saúde humana (SHUMACHER; HOPPE, 1998,
p.12).
Observa-se então que a água é um dos componentes
mais respeitável do meio ambiente.
Através de seu ciclo hidrológico, a mesma em sua forma líquida, tem a
maior significação para o desenvolvimento de todos os seres vivos. O autor José
Galizia Tundisi assevera isso na sua obra Água no século XXI – enfrentando a
escassez (2003, p. 05):
[...]
Toda a água do planeta está em contínuo movimento cíclico entre as reservas
sólida, líquida e gasosa. Evidentemente, a fase de maior interesse é a líquida,
o que é fundamental para o uso e para satisfazer as necessidades do homem e os
outros organismos, animais e vegetais de todos.
Desde os tempos mais primórdios da terra e mesmo da
história humana, a essenciabilidade da água para o Homo Sapiens é notável, pois
toda e qualquer forma de vida depende da mesma para sobreviver e desenvolver.
As grandes civilizações do passado e do presente sempre nutriram uma relação de
dependência com a água doce, portanto é essencial para a sustentação da vida,
suportando também as atividades econômicas e o desenvolvimento (TUNDISI, 2003,
p. 01).
A história da água fica muito bem asseverada nas
palavras de Tundisi (2003, p. 01):
A história da água sobre o planeta terra é complexa
e está diretamente relacionada ao crescimento da população humana, ao grau de
urbanização e aos usos múltiplos que afetam a quantidade e a qualidade. A
história da água, seus usos e contaminações também estão relacionados à saúde,
pois muitas doenças que afetam a espécie
humana têm veiculação hídrica, organismos que se desenvolvem na água ou que têm
parte de seu ciclo de vida em vetores que crescem em sistemas aquáticos.
Desde eras remotas se percebe a grande importância
da água para o desenvolvimento do homem. Basta verificar, por exemplo, o
Período Neolítico, que foi um estágio cultural avançado na Pré–História. Nesse
período o ser humano passou a ser produtor e aumentou consideravelmente seu
domínio sobre a natureza. O início da agricultura, que se baseia na utilização
da água, implicou a reorganização econômica da sociedade, podendo-se fazer
previsões de produção permitindo também o aumento da população (GIORDANI, 1972,
p. 67-70).
Além disso, os rios, fonte de água, também foram de
real importância para o desenvolvimento
das sociedades. Foram nas margens dos grandes rios que as civilizações se desenvolviam.
A presença da água, além de proporcionar a sobrevivência das populações,
proporcionava a pesca, plantações (GIORDANI, 1972, p. 59).
As atividades agrícolas constituíram sempre o
fundamento das civilizações. Na imperiosa civilização egípcia essas atividades
eram racionalizadas em face da água desde remotas épocas para melhor serem
aproveitadas pelo homem egípcio, segundo Giordani (1972, p. 85):
Ao ritmo das cheias do Nilo, progredia a vida
social.A fertilidade do vale do Nilo, que causava admiração aos viajantes
gregos, era contrabalançada, entretanto , por diversos fatores como a invasão das dunas de areia, a
devastação das enchentes anormais, as secas prolongadas, etc. Para evitar esses
malefícios e aproveitar ao máximo os fatores favoráveis, os egípcios
desenvolveram bem cedo uma admirável técnica de controle de águas do Nilo
construindo represas, diques, canais e reservatórios.
Outro importante exemplo sobre a influência da água
sobre as grandes civilizações se dá na Fenícia, que ocupava o litoral do
Mediterrâneo, parte do atual Líbano, os fenícios do grupo semita, eram
conhecidos como os “Homens do Mar Vermelho” por gregos e romanos, os quais
acreditavam ser este o seu local de origem. Sua condição geográfica, portanto,
facilitava o comércio marítimo, ao mesmo tempo em que a agricultura se via
dificultada. A Fenícia era cortada por pequenos rios, que transbordavam
na estação das chuvas e permaneciam semi-secos durante o verão. Porém, nada
impediu que fossem grandes navegantes e conseqüentemente grandes comerciantes
(GIORDANI, 1972, p. 90-5).
Já os romanos diante da necessidade da água para seu
desenvolvimento como povo, também criaram suas maneiras para reservar a mesma.
Segundo Borges (2001, p. 25):
Foram os romanos os primeiros a sentir a necessidade
de armazenar água, e por isso construíram uma extensa rede de aquedutos para
trazer as águas límpidas dos montes Apeninos até a cidade alternando tanques e
filtros ao longo do trajeto para assegurar sua qualidade. A construção deste
sistema de distribuição de água decaiu com a queda do Império romano, e durante
vários séculos, as fontes de distribuição de água para fins domésticos e
industriais foram as fontes e mananciais locais.
Assim percebe-se o real valor da água como
sustentáculo para o homem continuar a viver e se ampliar. Mas sua dependência
dá-se em primeiro lugar manifestadamente no sentido fisiológico (TUNDISI, 2003,
p. 04):
As necessidades humanas de água são complexas e
representa em primeiro lugar uma demanda fisiológica. Cerca de 60% a 70%do peso
de um ser humano, em média, é constituído por moléculas de água.Uma pessoa com
100kg tem, portanto, entre 60 e 70
kg de água em seu corpo, considerando-se 1 litro de água = 1 kg de peso.
De grande valia é a água para ser utilizada na preparação
de alimentos e cozimento, que são necessidades humanas. Assim como serve para
ser usada no banho, toalete e lavagens em geral, ou seja, serve para se manter
a higiene. Também, ao existir o suprimento de águas para as casas das pessoas,
considera-se como uma “produção reprodutiva”, já que permite a reprodução da
espécie humana e, portanto , a sobrevivência da espécie (TUNDISI, 2003, p. 04).
A água é importante e essencial para que o homem
consiga sobreviver. Existe a necessidade de manter no organismo humano uma
quantidade razoável de água para seu perfeito funcionamento, pois se não for
assim, pode–se até convalescer ficando desidratado, o que geraria até a morte
do ser humano, visto que a mesma é o componente principal do sangue, no qual
estão os nutrientes que são levados pela corrente sanguínea a todos os tecidos
do organismo.
Quando se observa os grandes reservatórios naturais
de água, como rios, lagos, oceanos, depara-se com a existência de uma imensa
variedade de animais, desde grandes mamíferos aquáticos até os minúsculos
protozoários, que constituem a fauna aquática. Os vegetais encontrados nos
reservatórios de águas são as algas, que apresentam variados tamanhos. As algas
minúsculas formam o fitoplâncton, importante fonte de renovação de oxigênio
atmosférico, fundamental para a vida terrestre. Os ecossistemas
aquáticos fornecem grande parte dos alimentos que abastecem a humanidade,
tornando cada vez maior a importância das águas como fonte de alimentação
futura do homem (SCHUMACHER; HOPPE, 1998, p. 13).
O homem para desenvolver-se não só no aspecto vital,
mas também no aspecto econômico, necessita da água em vários sentidos. Os
processos realizados nas indústrias, requerem água para vários fins, tais como
resfriamento e condensação, uso em têxteis, frigoríficos, curtumes, celulose e
papel, conservas e cervejaria, laticínios, ferro e aço, galvanotécnica,
petróleo, petroquímica e detergentes (TUNDISI, 2003, p. 167).
Da mesma forma, a produção de energia elétrica se dá
através da utilização da água nas usinas hidroelétricas. A construção das
mesmas faz com que haja forte impacto nas economias locais, regionais e
nacionais da água surgindo vantagens econômicas já que ocorre uma permanente
renovação das reservas da água, a energia produzida é “limpa” em relação a
combustíveis fósseis como o carvão mineral, petróleo (TUNDISI, 2003, p.
163).
Em suma, a água doce poderá ter as seguintes funções
no uso urbano: doméstico, comercial, público; no uso industrial: sanitário e
refrigeração de processos; na irrigação do meio rural: uso em hortaliças,
frutas e cereais, entre outros; na recreação e lazer; na harmonia paisagística;
na preservação da flora e da fauna; na navegação Fluvial; na geração de
energia; no controle de incêndios; na pesca (SCHUMACHER; HOPPE, 1998, p.
17).
Como conteúdo mínimo da dignidade de alguém, tem-se
a água. Não se pode imaginar o ser humano vivendo sem água. E, sendo assim, o
direito à água faz é inerente à dignidade humana, uma vez que esse é um dos
princípios norteadores do Estado Democrático de Direito (artigo primeiro,
inciso III – Constituição Federal do Brasil). Não se pode falar em dignidade da
pessoa humana se não está assegurada a utilização da água, quer para beber,
quer para sua higiene pessoal. Água, portanto com uma utilização regular é
necessária, sendo inconcebível imaginar o conceito de dignidade respeitado sem
a utilização pelo ser humano de um pouco de água (ARAÚJO, 2002, p. 31-2).
A sobrevivência do ser humano está diretamente
ligada ao consumo da água. Desta forma, utilizá-la se transformou em um
direito. No momento que este direito é negado, é como se estivesse sendo
declarada sentença de morte para um ser vivo (MACHADO, 2002, p.13-5).
Porém, a água potável como um bem comum da
humanidade e que deve ser acessível a todos pela sua indispensabilidade, está
com o seu acesso sendo prejudicado, visto que o processo de privatização da
água está se alastrando pelo mundo. Assim, de dádiva inesgotável e gratuita,
passa a ser uma mercadoria, com preço estabelecido (COTTA, 2003, p. 01).
A Privatização
da água
Este capítulo
abordará a temática da privatização da água. Será demonstrado o valor que a
água adquiriu diante do mercado econômico, sendo um dos bens mais valorizados
atualmente, fazendo com que ocorresse uma corrida das grandes empresas privadas
mundiais, com a finalidade de se apoderarem deste bem de uso comum do povo.
Como conseqüência deste fato há o conflito dos interesses privados em somente
auferir lucro, com os interesses públicos que é de gerir o acesso pleno à água,
que é um direito fundamental do ser humano.
A àgua se torna um bem, de maneira equivocada, com valor econômico.
Desde os tempos antigos, a água
sempre foi um dos mais importantes reguladores sociais. As sociedades
camponesas e as comunidades aldeãs, que tinham suas condições de vida muito
ligadas ao solo, estruturaram-se ao redor da água. Na grande maioria, era
considerada como um bem comum e a água tornava-se uma fonte de poder.
Tornaram-se raros os casos em que todos os membros de uma sociedade estivessem
num mesmo nível em relação à água, posto que o acesso a ela sempre envolveu
desigualdade (PETRELLA, 2002, p. 59–60).
Hoje a
importância da água para o homem continua sendo imensa. É fundamental para a
sobrevivência física, visto que os indivíduos humanos são carentes de água para
que suas necessidades fisiológicas sejam satisfeitas; assim como para que
ocorra o incremento de atividades que são necessárias para o desenvolvimento
humano, tais como para geração de energia hidroelétrica, utilização em
processos nas indústrias, desenvolvimento da agricultura, recreação, harmonia
paisagística, além de outros.
Isso
aponta para a crucial importância, tanto na história humana como para ela, de
que se deve fazer esforços para que na nossa sociedade atual os direitos à vida
sejam acessíveis a todos, principalmente o direito à água, visto que a
necessidade da mesma para a vida humana é de caráter vital (PETRELLA, 2002, p. 60).
A água potável é um bem comum da humanidade e que
tem que ser acessível a todos conforme declaração do Comitê das Nações Unidas
para os Direitos Econômicos, Culturais e Sociais (COTTA, 2003, p. 01-02).
No entanto houve um favorecimento a partir da
globalização para que grandes empresas transnacionais estivessem ampliando sua
presença em serviços de saneamento e ganhando o direito de explorar fontes de
água. Surge então uma bipolaridade, com os que entendem a água como um produto
que se pode manejar, engarrafar, pôr preço e vender, acreditando que a
tecnologia e o mercado podem atender a necessidade humana através da iniciativa
privada; frente aos ambientalistas que acreditam que a mesma não tem preço, nem
dono, pertence a todos, sendo um direito fundamental e inegociável do ser
humano (QUADRADO; VERGARA 2003, p.44).
Essa bipolaridade avança desenfreadamente, pois a
iniciativa privada tem o poder do capital a seu lado: em 1998, o Banco Mundial
previa que, em breve, o comércio global da água faturaria 800 bilhões de dólares,
antes de 2001, essa projeção foi elevada para 1 trilhão de dólares. O mercado
de água engarrafada cresce a uma espantosa taxa de 20% ao ano, sendo que o
líquido engarrafado para venda é uma gota nesse mar de dinheiro que envolve a
água; a maior fonte é o mercado de saneamento e de distribuição, já que é um
ramo com um grande potencial de crescimento, pois apenas 5% da população
mundial recebe água fornecida por empresas privadas. O mercado é dominado por
duas grandes transnacionais, a Vivendi e a Suez, que possuem sede na França
detendo 70% do faturamento do setor (QUADRADO; VERGARA 2003, p. 45-6).
O valor da água se tornou tão grande, tanto que um
dos métodos de exportação de água que está decolando também é o da água
engarrafada. Nos anos setenta, o volume anual de água engarrafada e
comercializada no planeta foi de 300 milhões de galões, percentual que se
aproxima a um bilhão de litros. Antes da década de 80, esse número havia subido
para 650 milhões de galões, isso é, 7,5
bilhões de litros de água engarrafada foram consumidos em países do mundo todo.
Mas nos últimos cinco anos, o volume de vendas de água engarrafada subiu
rapidamente e em 2000, 22,3 bilhões de galões, ou seja, 84 bilhões de litros de
água foram engarrafados e vendidos (BARLOW; CLARKE, 2003, p. 170).
Percebe-se então que a água é o recurso mais visado
atualmente, posto que esteja havendo uma supervalorização econômica deste bem.
Somente agora, o valor econômico está sendo mais bem percebido por economistas,
gestores e administradores. Admite-se que o valor estimado de “serviços”
promovidos anualmente por rios, lagos e represas apresentou-se como 1,7 x 1012
dólares por ano, três vezes o valor total da produção mundial. Nessa
estimativa estão incluídos custos diretos como a venda de água para consumo
humano, serviços proporcionados pela autopurificação, produção de alimentos,
transportes e outros usos (TUNDISI, 2003, p. 157).
Em meados dos anos 70 no Brasil, já se havia essa
percepção de que a água tinha grande valor. Durante a primeira crise do
petróleo, houve na imprensa a proposta de que já que não tínhamos petróleo e
pagávamos um preço muito alto para te-lo, então, se poderia exportar para os
países produtores, a água brasileira; já que não a possuem, e o Brasil a detém em abundância. Essa
discussão ficou em pauta por um tempo mas não se operacionalizou. Porém, ficou
claro o problema, isso é, alguns países têm petróleo, ou tem dinheiro, ou tem
comida, ou tem alguma coisa de valor econômico, e outros têm a tão valiosa
água; que mais cedo ou mais tarde poderá estar sendo comercializada como um commodity
na internet (GAZZONI, 2004, p. 01).
É inegável que tal previsão se
confirmou, pois a água transformou-se numa espécie de commodity como o
petróleo ou a soja, incluindo até o direito de ser exportada. No Canadá, por
exemplo, exporta-se água para as regiões mais sedentas do México e dos Estados
Unidos. Parece até que essa situação é inacreditável, mas não, a valorização da
água é tamanha que isso já se tornou uma realidade, destacando-se que é muito
comum nessas regiões se ver barcaças e caminhões cruzando fronteiras carregados
com nada mais do que muita água (QUADRADO; VERGARA 2003, p.46).
Essa enorme supervalorização
econômica da água deve-se ao argumento capitalista de que existe um admirável
desperdício no uso e gerenciamento dos recursos hídricos, devido ao fato de que
a maioria das sociedades até o momento considerou a água como um bem social e
não como uma mercadoria (PETRELLA, 2002, p.77).
No entanto, não é o argumento de
que a escassez da água tornou a mesma um bem de valia econômica que gerou tal
fato, esse argumento responsabiliza principalmente o preço artificialmente
baixo da água pelo desperdício, ou seja, um argumento sem um fundo de verdade.
Na realidade, o preço da água subiu muito em todas as partes do mundo nos
últimos dez anos, sem que tenha propiciado uma redução do desperdício, como
também a superexploração agrícola, poluição industrial, falta de visão de longo
prazo envolvendo um planejamento e um gerenciamento global integrado, ou a
incapacidade de implementar esses elementos de maneira eficaz e coerente devido
aos interesses econômicos e financeiros em jogo (PETRELLA, 2002, p.79-83).
É imprescindível entender que a
água não é um bem de mercado, com valor econômico, mas sim um bem social,
insubstituível, que todos os homens dependem e precisam do acesso. Segundo Petrella (2002, p. 84):
Mas,não é possível
substituir a água e continuar a viver. No entanto, um dos princípios
distintivos para o funcionamento apropriado dos mecanismos do mercado é que
deve ser possível substituir determinados bens fatores de produção ou
produtos/serviços por outros bens – daí a função de preços relativos ao
refletirem o valor comparativo do uso de tais bens e serviços intercambiáveis.É
portanto, um elemento essencial do mercado que possamos escolher entre vários
bens da mesma natureza ou de natureza diferente, usando para essa escolha critérios como preço e qualidade
.Isso é o que constitui a liberdade do consumidor e do produtor.Ter acesso à
água, no entanto, não é uma questão de escolha. Todos precisam dela. O
próprio fato de ela não poder ser substituída por nada mais, faz da água um bem
básico que não pode ser subordinado a um único princípio sectorial da
regulamentação, legitimação e valorização;ela se enquadra nos princípios do
funcionamento da sociedade como um todo.Isso é precisamente aquilo que se chama
de um bem social, um bem comum, básico a
qualquer comunidade humana.
Mas diante dos argumentos expostos, a pressão para
que ocorra a privatização dos sistemas reguladores de água, ou seja, para que
haja a valorização econômica da água, e que esta fique na mão da iniciativa
privada, ganhou terreno. Esse será o tema tratado no sub–item a seguir.
Grandes corporações disputam o poder pela água
perante os Estados através das privatizações.
Vive-se
atualmente um processo acelerado de privatizações de serviços de água, do
abastecimento público, assim como da drenagem e tratamento de águas residuais.
Na privatização ocorre a concessão, ou seja, a entrega dos serviços públicos a
empresas privadas para que os explorem e obtenham lucro (TOVAR, 2003, p. 02).
De uma
forma geral a privatização da água pode se dar de três maneiras. Na primeira,
os governos vendem completamente o fornecimento da água pública e os sistemas
de tratamento para as corporações privadas, a exemplo do que aconteceu no Reino
Unido. Já a segunda maneira é o modelo que foi aplicado na França, por meio dos
quais os governos cedem concessões ou leases às corporações de água para
que elas assumam o fornecimento do serviço e do custo da operação e manutenção
do sistema. E a terceira maneira, é considerada um modelo mais restrito porque
há uma corporação que é contratada pelo governo para administrar os serviços de
água por uma taxa administrativa, mas a empresa não assume a coleta de receita
nem aufere lucros. Afirma-se que a forma mais comum é o segundo modelo, chamado
de “parcerias público-privado” (BARLOW; CLARKE, 2003, p. 106-7).
Deve
ficar claro que a pressão para que a água se tornasse uma mercadoria e
privatiza-la não se dá como algo isolado, existem fatores que levaram a esse
feito. Diga-se que é a última expressão de uma tendência geral que pelo menos
nos últimos trinta anos vem afetando outras áreas da vida econômica das sociedades
desenvolvidas, particularmente dos Estados Unidos. Não ficou nada para trás,
nenhum setor público, nenhum serviço público e nenhum bem público, independente
de terem sido serviço de correio, telecomunicações, gás, eletricidade, entre
outros, tudo foi privatizado no total ou em parte (PETRELLA, 2002, p.90).
Desta forma, hoje se configura uma disputa que está
relacionada ao papel do setor privado,
que domina quase todos os espaços, na decisão de quem obtém a água e porquê. O
comércio da água por lucro se tornou um fenômeno novo, porque o setor privado
ficou consciente do valor desta, vendo lucro com a escassez. Através disto, a
água promete ser para o século XXI o que o petróleo foi para o século XX: o
artigo precioso que determina a riqueza e o poder das nações (BARLOW; CLARKE,
2003, p. 125).
Evidente que o mundo onde a crise da água ocorre,
vive sob o domínio de uma corrida econômica global das corporações
transnacionais, com isso os governos abandonam suas responsabilidades quanto ao
interesse público ou bem comuns dos cidadãos, se entregando somente a
interesses econômicos e dificultando um direito inerente ao ser humano:
consumir água (BARLOW; CLARKE, 2003,p.87-91).
Esse interesse das transnacionais explica-se pelas
características muito especiais do potencial de mercado que a água possui para
estas. Em primeiro lugar é um bem essencial e insubstituível, não sofre crise
de procura, isto é, sempre existem clientes. Em seguida, acaba se tornando um
monopólio, porque são limitadas as alternativas aos consumidores, criando-se
uma forte dependência entre os utilizadores e os donos da água. Enfim, é um
recurso territorializado, como a sua utilização é próxima do local de
ocorrência, assim torna-se fisicamente viável o controle regional por um grupo
ou por uma transnacional deste bem (TOVAR, 2002, p. 04).
Verifica-se que em 1996 a participação privada
no abastecimento público era apenas residual, se concentrava na França e na
Inglaterra, também na Espanha. Já em 2001 o Banco Mundial apontava para a
gestão/concessão privada de espantosos 5% do abastecimento público do globo e
que ainda encontra-se em crescimento acelerado porque as privatizações não
param (TOVAR, 2003, p. 04).
Nessa disputa
pelo controle da água existem sete grupos econômicos, dirigidos por duas
transnacionais de origem francesa – Suez/Lyonaise dês Eaux e ex – Vivendi
(ex – Generale dês Eaux). Está última já está instalada em Portugal com
várias concessões de abastecimento de
água e outros serviços. Tais transnacionais atuam muito mais em corporação ou
oligopólio que em concorrência, sendo grupos de pressão fortíssimos junto dos
órgãos de poder supranacionais, sobretudo os financeiros como Banco Mundial,
Fundo Monetário Internacional, General Agreement on Trade and Services (GATS),
União Européia, MERCOSUL, e outros (TOVAR, 2003, p. 04 - 5).
O fenômeno da privatização é indiscutivelmente
internacional. Por exemplo, em Honduras, segundo noticias veiculadas na
imprensa mundial, dezoito empresas locais e estrangeiras, entre estes os sete
grupos franceses, italianos, espanhóis e americanos, se qualificaram para
disputar 49% das ações da “Dima”, empresa hondurenha de água (FREITAS,
2002, p. 22).
Existem vários outros grupos estrangeiros que
possuem interesse em explorar serviços de tratamento de água e esgoto. A
imprensa veiculou a notícia de que a
Azurix, companhia global, adquiriu a AMX Acqua Management , que
considera o Brasil um dos maiores mercados de privatização para água e esgotos,
possuindo uma expectativa de investimento de cerca de U$ 25 bilhões ao longo
dos próximos 15 anos (FREITAS, 2002, p. 22-3).
O comércio dos direitos sobre a água está se
tornando um negócio imenso, tanto que além das grandes corporações privadas até
pessoas comuns estão dispondo livremente de seus direitos sobre a água. Um bom
exemplo está na Califórnia, em 1992, o Congresso Norte-Americano votou um
projeto de lei que permite aos agricultores vender seus direitos de água para
as cidades. Assim acabaria surgindo um mercado de água entre os usuários do Rio
Colorado, segundo os planos do Secretário do Interior na época, Brucce Babbitt;
havendo então, a venda da água do Rio Colorado para os Estados do Arizona,
Nevada e Califórnia, que poderiam armazenar essa água comprada e vender às
indústrias de alta tecnologia, que utilizam muita água em seus processos
industriais (BARLOW; CLARKE, 2003, p. 87-90).
No mesmo sentido temos as lições de Ricardo Petrella
(2002, p. 87):
A nova cultura da água nos Estados Unidos introduziu
(ou, pelo momento, importou do Chile) a possibilidade jurídica e prática dos
“direitos da água”. Por exemplo, a um fazendeiro que desenvolver um sistema
mais eficiente de irrigação será permitido vender a água que ele próprio não
consumiu, para uma comunidade urbana.Isso quase não é uma idéia surpreendente em
um país como os Estados Unidos onde tudo está à venda – até o “direito de
poluir”. No Chile isso encorajou um tipo específico de especulação por parte
das companhias mineradoras. Tendo recebido do Estado, sem qualquer ônus,
praticamente todos os direitos sobre a água no momento da privatização, elas
hoje controlam o mercado da água do país e organizaram situações de falta de
água para aumentar os preços.
Claro fica que a privatização é um fenômeno
crescente no mundo da economia, tanto que vem sendo imposta pelo FMI, como uma
espécie de apoio ao acontecimento, diante dos paises mais pobres, como uma
condição para que sejam fornecidos empréstimos para que os mesmos sanem seus
débitos. Essa posição fica clara nas palavras de Sara Grusky (2004, p. 01):
Uma revisão geral das políticas de empréstimos do
FMI, em 40 países, revela que, durante 2000, os acordos de empréstimos do FMI
em 12 países, incluíram condições impondo privatizações da água ou completa
recuperação do custo.[...] Ao contrário de contribuir para a redução da
pobreza, a privatização da água e maiores recuperações de custo tornam a água
menos acessível e mais cara para as comunidades de baixa renda, que compõem a
maioria da população dos países em desenvolvimento.
Ao se privatizar os serviços de água significa uma
enorme cedência de poder político, isto é, do poder de autodeterminação dos
cidadãos, em favor do poder econômico. Por isso que este procedimento tem tido
a forte conivência da maior parte dos governos dos países ricos e impostos, como
foi mencionado anteriormente, pelo FMI e também pelo Banco Mundial e a União
Européia (TOVAR, 2003, p. 05).
A iniciativa privada se tornou perante o poder
público um rival eminentemente declarado: “A palavra” rival” (ou ”rivalidade“)
vem do latim rivus ,que significa corrente ou riacho ; um rival ,
portanto , é alguém que, da margem oposta, usa a mesma fonte de água – daí a
idéia de perigo ou ataque (PETRELLA, 2002, p. 60).
Assim, o privado, ou o rival; também é chamado hoje
de “os senhores da água” , que como na fábula do lobo e do cordeiro, o “senhor”
estabelece as leis e acusa sempre o mais fraco de erros que ele não cometeu.
Atualmente como o sistema é baseado na lei do mais forte, aquele que obtiver o
comando das águas obterá o poder se
sobrepondo a qualquer pressão (PETRELLA, 2002, p.60-1).
Segundo Petrella, atuação dos “senhores da água” no
momento em que vivemos se ocorre da seguinte maneira (2002, p. 60):
O senhor da água obtém seu poder através da
propriedade e do controle da água, ou através dos mecanismos de acesso,
apropriação e uso em vigor,já que esses lhe permitem beneficiar-se ao máximo
dos bens e serviços que a água gera ou faz ser possível gerar. O senhor da água
é, assim, capaz de ampliar sua capacidade de ação (em termos de conhecimento,
informação, tecnologia, finanças, relações sociais e poder cultural) e de
perpetuar seu controle.
Ilude-se ao pensar que o privado oferece eficácia.
Isso é uma falsidade. Eficácia é o grau de cumprimento do objetivo, e este é
para o serviço público aumentar a
qualidade de vida para as populações, enquanto que para o empresário é obter
lucro. A eficácia do empresário mede-se pelo lucro obtido, e não pela
satisfação dos cidadãos. Tem interesse para os acionistas e não para o povo
(TOVAR, 2002, p. 08-9).
Assim fica perceptível a colisão dos interesses do
privado perante o público que acaba favorecendo o setor privado, sendo que este
é o próximo assunto a ser discutido no sub-item a seguir.
A colisão dos interesses privados e públicos.
No momento em que se presume uma vida em sociedade,
ocorre a renúncia da liberdade plena de atuação, em favor do é melhor e mais
adequado para se conviver coletivamente. Muitas vezes o comportamento dos
particulares, embora em consonância com a ordem jurídica, irá ferir os
interesses e direitos da coletividade, acarretando a necessidade de disciplina
hierárquica entre os direitos em choque (FREITAS, 2002, p. 103).
Nas constituições existe a garantia da incolumidade
dos bens e valores sociais, que é efetivado na maioria das vezes pela restrição
de certos direitos do cidadão. Essa limitação ao uso e gozo dos bens, direitos
e atividades pelos particulares em nome da salvaguarda dos direitos da
coletividade tem sido tradicionalmente denominada de “poder de polícia”, isso
é, conjunto de atribuições concedidas à administração para disciplinar e
restringir, em favor do interesse público adequado direitos e liberdades
individuais (FREITAS, 2002, p.103-5).
Nesse mesmo sentido tem-se o conceito de poder de
Polícia por Hely Lopes Meirelles, em sua obra Direito Administrativo Brasileiro
(2003, p. 127):
Poder de Polícia é a faculdade de que dispõe a
Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens ,
atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio
Estado.Em linguagem menos técnica, podemos dizer que o poder de polícia é o
mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os
abusos do direito individual. Por esse mecanismo, que faz parte de toda a
Administração , o Estado detém a atividade dos particulares que se revelar
contrária, nociva ou inconveniente ao bem – estar social, ao desenvolvimento e
á segurança nacional.
Assim, como atribuição do Poder Público tem se que o
acesso à água tratada e de qualidade é um direito que todo cidadão possui visto
que é um direito fundamental à sua sobrevivência e que deve ser promovido e
mantido pelos Estados. Esse acesso para todos tem a função de promover novas
formas de integração no aspecto social e de cidadania, especialmente levando-se
em conta a saúde humana e a qualidade e expectativa de vida (TUNDISI, 2003, p.
103).
O Poder Público deve prestar serviços á população,
constituindo um dever seu. Entre os serviços que devem ser prestados
apresenta-se o acesso à água, que se enquadra como um serviço de necessidade
declarada perante os seres humanos, pois propicia saúde e conseqüentemente
vida. Segundo conceituação de serviços públicos por Hely Lopes Meirelles (2003,
p. 320) em
Direito Administrativo Brasileiro, corrobora – se a
essenciabilidade dos mesmos perante as:
Serviços públicos: propriamente ditos, são os que a
Administração presta diretamente á comunidade, por reconhecer a sua
essenciabilidade e necessidade para a sobrevivência do grupo social e do
próprio Estado. Por isso mesmo, tais serviços são considerados privativos do
poder público, no sentido de que só a Administração deve presta – los, sem
delegação a terceiros, mesmo porque geralmente existem atos de império e
medidas compulsórias em relação aos administrados. Exemplos desses serviços são
os de defesa nacional, os de polícia, os de preservação da saúde pública.
Mas o que acontece é que em função da privatização,
desregulamentação e liberalização, que são senhas dos sistemas normativos dos
governos mundiais na área da economia, em muitos países o Estado e os políticos
desistiram do seu papel principal de prover o acesso à água e passaram esse
papel para as corporações privadas globalizadas e para os mercados financeiros,
desvencilhando-se de seu papel de gerir direitos básicos aos cidadãos
(PETRELLA, 2002, p. 91).
Discute-se a legitimidade na entrega aos privados da
gestão de um patrimônio coletivo, como é a água. Se existe legitimidade ao
permitir que parte do rendimento gerado pelo fornecimento de água não seja
reinvestido no sistema e sirva para remunerar acionistas privados pondo em
causa a universalização e a qualidade de atendimento (BRÁS, 2002, p. 51).
Essa entrega sem dúvida é ilegítima, pois faz com
que nem todos os membros de uma sociedade consigam ter um acesso igualitário à
água.
Desta forma, surgiram conflitos entre o poder
público e a iniciativa privada ao ocorrer o repasse do acesso aos recursos
hídricos, evidenciando que quando a água que é distribuída pelo poder público
chega aos grandes centros urbanos, enquanto que a que é distribuída para áreas
periurbanas não promovem o adequado acesso à água encanada e a população dessas
áreas fica dependendo da água das companhias privadas.
Segundo Tundisi (2003, p. 103):
Em grandes centros urbanos , especialmente de países
em desenvolvimento ou emergentes, a
população da área central recebe a água que o setor público distribui às residências, escolas,
indústrias, clubes ou associações e comércio.Já a população situada em áreas
periurbanas não tem acesso à água encanada e, portanto, depende da água
distribuída por companhias privadas , em carros – pipas, tendo de pagar mais
caro por uma água de pior qualidade.
Os custos da água para as regiões abastecidas pelo
poder público, ou seja, as regiões centrais são bem menos onerosos para a
população do que a água distribuída pela iniciativa privada às regiões
periurbanas. “A população da zona central das cidades, em muitos países, gasta
1% do salário com a água, enquanto que a população da zona periurbana gasta 15%
do salário” (TUNDISI, 2003, p. 103).
Através de vários estudos demonstrou-se que as
populações urbanas carentes que existem no mundo pagam altos preços pelo
fornecimento de água e acabam por dispender grande valor dos seus rendimentos
com o consumo da água. Como exemplo, em Port–au–Prince no Haiti, os usuários
mais carentes às vezes gastam 20% de seus rendimentos com o pagamento da água;
em Onitaha na Nigéria, calculou-se que os mais carentes gastam 18% de seus
rendimentos com água na época da seca, enquanto que usuários com rendimentos
mais altos gastam de 2% a 3% (TUNDISI, 2003, p. 172).
Neste mesmo enfoque, dentro das sociedades
individuais é evidente a disparidade de acesso à água. As pessoas mais
necessitadas de países pobres pagam
muito mais pela água do que as pessoas ricas. A água que é subsidiada pelo
governo, ou seja, a água municipal é fornecida aos ricos; sendo que as pessoas
de classe médias têm a possibilidade de instalar reservatórios para armazenar a
água distribuída pelo poder público.
Contudo, o pobre precisa comprar água de transportadores particulares, que
chegam a cobrar até 100 vezes a taxa municipal de fornecimento de água (BARLOW;
CLARKE, 2003, p. 70-1).
O pagamento da água tem um efeito inverso de
redistribuição, porque representa uma percentagem do rendimento tanto mais
elevada quando o rendimento é mais baixo. Um aumento no preço da água que
represente 1% de um rendimento alto, significa 20% num rendimento vinte vezes
inferior. O preço da água e os seus aumentos traduzem-se como um incremento nos
rendimentos e uma agravante para a pobreza (TOVAR, 2002, p. 07).
A luta pela água é uma das piores, pois os Estados
competem pelos escassos recursos hídricos e as Companhias encaram-na como uma
mercadoria para tirar proveito dos pobres. A privatização já gerou
conseqüências no hemisfério sul, em países como a Argentina e a Bolívia, nos
quais os preços decolaram e a qualidade despencou (GUIMARÃES, 2004, p. 01-7).
Através do ato de privatizar surgiram várias
conseqüências, como o aumento de tarifas, lucros maiores para empresas
estrangeiras e corrupção política, o que fez com que os consumidores se
sentissem enganados. Na Bolívia, o aumento das tarifas gerou manifestações
violentas de protestos contra uma concessão para o tratamento da água (JORNAL O
ESTADO DE SÃO PAULO, SÃO PAULO, 2003).
No Reino Unido, ao ocorrer à privatização, como
primeira conseqüência verificou-se que as empresas seguindo uma estratégia de
maximização de resultados não possuem qualquer lógica de desenvolvimento regional.
O preço da água para uso doméstico aumentou em média 36% e os dos serviços dos
esgotos 42%. Os lucros das empresas só em 1998 aumentaram 57% por comparação
com o ano de 1997(BRÁS, 2002, p. 20).
Por todos esses fatos a população
dos países em que ocorre a privatização
revoltam-se, sendo isso um pequeno
exemplo de um movimento global sobre as
questões relacionadas à água. Contudo, ainda existem muitos passos que podem
ser dados para aumentar o impulso das iniciativas de preservação da água no
mundo, unificando-as ao redor de um conjunto de princípios. Já existem muitos
movimentos em relação à água, de grupos ambientais que juntam forças com os de
justiça social para poderem lutar pelo fim da aquisição corporativa dos
surimentos da água no mundo.
Segundo Barlow e Clarke (2003 p.
243):
Pesquisas realizadas mostram a luta das pessoas
pelos direitos de água ao redor do mundo revela que não apenas foram plantadas
as sementes da resistência , mas que elas estão crescendo e se multiplicando.
Há ainda uma série de lacunas e limitações. Claramente os vários tipos de
movimentos populares que estão sendo organizados ao redor das lutas de água até
agora não começaram a medir o alcance da
crise global em mãos, muito menos o poder das elites econômicas e políticas que
tão energicamente estão promovendo sua “solução” não – sustentável.
No mesmo sentido Tundisi (2003, p. 01):
Os usos da água geram conflitos em razão de sua
multiplicidade e finalidades diversas, as quais demandam quantidades e
qualidades diferentes. Águas para abastecimento público , hidroeletricidade,
agricultura, transporte, recreação e turismo, disposição de resíduos têm gerado
tensões , em muitos casos resolvidos nos tribunais,e também têm produzido
muitos problemas legais.
É inevitável que na organização atual da sociedade,
os homens têm que permanecer ligados à água através de um processo artificial,
“rede de serviços de água”. Mas no momento que esta ligação possui um controle
que não é do poder público, faz com que o privado tenha um poder comparável ao
de quem possuísse um interruptor da máquina cardíaca dos outros homens. Assim,
os indivíduos podem ser “desligados” da rede, privados do acesso à água, sendo
que a quantidade liberada será medida e cobrada, a cada um será vendido o
“direito à vida” (TOVAR, 2003, p. 03-4).
Além disso, quando o estado privatiza os serviços de
água e vende a uma empresa o poder de cobrar o direito à vida de cada cidadão
ocorre em simultâneo uma influência importantíssima sobre a utilização comum da
água e do território. Seria o mesmo que a venda de um feudo que inclui homens,
natureza e território, para que um grupo capitalista os explore e deles obtenha
o máximo de lucro (TOVAR, 2003, p. 04).
No entanto, como a água tem sido vista como o grande
investimento do futuro e com o argumento da necessidade de garantir o abastecimento mundial,
especialistas debatem como fazer para assegurar que as próximas gerações tenham
o que beber. Assim uma das hipóteses levantadas é um aumento da participação de
empresas privadas no controle dos recursos hídricos (JORNAL DO COMÉRCIO, PORTO
ALEGRE, 2004).
Todavia, a maior preocupação que se tem em relação
ao privatizar a água, gira em torno das populações carentes. Teme-se que a
privatização possa resultar na negativa desse bem, que é indispensável para a
sobrevivência humana. Evidentemente, há que se resguardar tal situação, sob
pena de ofensa ao princípio
constitucional da inviolabilidade do direito à vida (CF, art. 5°, caput).
O ideal é que não haja nenhum tipo de cobrança desses usos de volumes de água
tão insignificantes (FREITAS, 2002, p. 23).
É preciso que se garanta o mínimo de dignidade às
pessoas, incluindo o acesso à água.
Pode-se dizer então que seria possível retirar os limites da propriedade da
água, havendo um confronto entre a utilização adequada e mínima de água pelos
habitantes de uma determinada região, por exemplo, e os proprietários da mesma
(ARAÚJO, 2002).
Há a permissão da restrição do direito de
propriedade privada com fundamento na dignidade da pessoa humana, havendo então
o cumprimento dos comandos constitucionais. Entre o direito de propriedade e o princípio da dignidade humana, o qual
pressupõe, é claro, a utilização mínima da água, se está diante de uma equação
de solução pendente à socialização do bem, em que a concepção privatista tem
que ceder à utilização social.(ARAÚJO, 2002, p. 32).
Sendo assim, água para beber,
usar, preparar alimentos e para higiene pessoal deve ser gratuita, ou seja, não
sujeitas a pedido de cobrança. Esses usos são de menor escala e o ser humano
não consegue se manter vivendo dignamente sem a mesma (MACHADO, 2002, p. 32-3).
Dessa maneira, por ser um recurso esgotável e
fundamental a água deve ser consumida de forma racional, ou seja, que as
gerações presentes e futuras também possam desfrutar da mesma; assim sendo,
acabou por adquirir um valor econômico, para que fosse empregada racionalmente.
Porém, a água é mais que um bem econômico. Não é um bem que se enquadre nas
relações de mercado, na qual os produtos que podem ser comercializados são
capazes de ser substituídos por outros, a água é um bem insubstituível, único;
por isso, é um bem social, não há opção de escolha, todos precisam dela
(PETRELLA, 2002, p. 83-6).
Fica evidente que é insuscetível de ocorrer à
apropriação privada da água. “Toda a água, em verdade, é um bem de uso comum de
todos. Tanto que ninguém pode, impedir que o sedento sorva a água tida como
domínio particular” (SILVA, 2003, p. 120-1).
Não há qualquer alternativa que
substitua a água, sendo mais que um recurso, é um bem vital para todos os seres
viventes e para o ecossistema da Terra como um todo. Qualquer ser humano tem o
direito individual e coletivamente, a
ter acesso a esse bem vital. O acesso á água e obrigação de conserva-la para o
objetivo de sobrevivência pertencem à humanidade; não podem ser objeto de
apropriação individual privada (PETRELLA, 2002, p. 128-31).
Segundo Petrella (2002, p. 131):
Assim, a água como
patrimônio vital comum da humanidade, não pode ser objeto de transações
comerciais tradicionais através de fronteiras ou de aquisição por parte de
investidores estrangeiros. A água deve ser excluída de qualquer tratado ou
acordo relacionado com a regulamentação de investimentos financeiros no mundo
todo.
A água, como o ar, pertence a
terra e a todas as espécies, ma vez que
ninguém possui o direito de se apropriar e lucrar com ela às custas de despesa
de outra pessoa. É um bem público que deve ser protegido por todos os níveis de
governo e por todas as comunidades. Ou seja, a água não deveria ser privatizada,
transformada em mercadoria, com propósitos comerciais. Os governos desde já
devem tomar iniciativas imediatas pelo mundo, declarando que as águas de seus
territórios são um bem público e criar legislações para protege-la (BARLOW;
CLARKE, 2003, p. 268).
A história das relações entre os seres humanos
e a água sempre foi difícil , tumultuada
e fascinante, principalmente quando se trata das relações dos seres humanos
devido à água. Tanto que na civilização judaico–cristã a água é associada com a
imagem do fim da humanidade que já ocorreu uma vez, isso é o dilúvio de Noé.
Inegavelmente é uma história de inclusão e exclusão, de cooperação e de guerra,
de racionalidade e de mistificação, de arte e destruição (PETRELLA, 2002, p.
59).
Espera-se que o processo de
privatização da água não tenha a mesma conotação que a água recebeu durante o
dilúvio de Noé, ou seja,que não represente o fim da humanidade, fim do acesso a
este líquido precioso que é o referencial de sobrevivência, dignidade da pessoa
humana e que é pertencente a todos os homens do Planeta Terra e que deve ser
disponibilizado pelo Poder Público que jamais deve se render a apelos
econômicos em detrimento de suas reais funções perante a sociedade.
O homem
para alcançar grandes vitórias, sempre tem que percorrer caminhos difíceis.
Tudo isso, justifica-se pela ânsia de se aprimorar e conquistar conhecimentos,
desafiando suas limitações.
Um dos
objetivos deste artigo é demonstrar que a água é um bem que pertence a toda
humanidade, resguardada como um direito e garantia fundamental de sobrevivência
do homem, possuindo o caráter de um bem de todos que não pode ser dominado e
transformado em um bem particular, pois ocorrendo isso há o cerceamento do
acesso ao consumo que é essencial à sobrevivência humana.
Hoje se
vive num Estado Democrático de Direito, ou seja, num Estado que se submete à
lei; e que tem como forte característica preconizar direitos e garantias
fundamentais que são inerentes a personalidade humana para conferir dignidade
às pessoas.
A
definição de direitos fundamentais, segundo posição da doutrina jurídica, é de
que são direitos que tratam de situações jurídicas na qual as pessoas não se
realizam, se estes não existirem, não
convivem e, às vezes, nem sobrevivem.São necessários para que as pessoas se
desenvolvam com todas as condições que um ser humano necessita.
Tais
normas são congregadas nas Constituições dos Estados, sendo considerados
direitos com status constitucional.
No
Brasil, a Constituição Federal de 1988, congregou em seu título II os direitos
e garantias individuais. Estes foram subdivididos em cinco capítulos, nomeados
como direitos individuais e coletivos direitos sociais, nacionalidade, direitos
políticos e partidos políticos.
Para este
trabalho teve importância os direitos coletivos, ou os chamados direitos de
terceira geração, que são os direitos de
solidariedade ou fraternidade, que dedicam ao meio ambiente equilibrado como
sendo um direito que promove saudável qualidade de vida, progresso, paz e
autodeterminação dos povos.
O meio
ambiente como elemento de proteção constitucional, que propicia vida digna,
está expresso no Título VIII, referindo-se à ordem social, especificamente no
Capítulo VI, artigo 225, na nossa Magna Carta:
Todos têm o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial á
sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever
de defende – lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações.
Desenvolve-se
nossa vida no meio onde se vive por isso este tem que proporcionar qualidade para
o indivíduo humano viver. Importante é a compreensão de que o lugar onde se
vive deve ser encarado de uma maneira ampla, ou seja, perceber todos os
elementos que interagem com o homem, como o solo, água, o ar, a flora, as
belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e
arqueológico. O ambiente é a união dos bens da natureza, os bens da cultura que
se relacionam entre si e atingem o homem.
E dentro
deste conjunto de elementos que são de grande importância há o destaque maior
para a água, em sua forma líquida, pois o ser humano necessita da mesma para
sua sobrevivência e desenvolvimento.
A água é
vida. O bem mais precioso que o ser
humano detém é a vida, pois a partir dela, o homem nasce, cresce e
desenvolve-se.
Todos nós
possuímos o direito á vida, tanto que o mesmo vem consagrado no Título II, Capítulo I, artigo 5° da
Constituição Brasileira:
Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]
Para que
seja propiciada a existência, o meio deve estar de acordo, não faltando nenhum
elemento condicionante do viver, principalmente a água, uma vez que desde os
tempos mais primórdios da Terra e mesmo da história humana a essenciabilidade
da água para o homo sapiens é fundamental. As grandes civilizações do passado e
do presente sempre nutriram uma relação de dependência com a água, pois esta
sustenta a vida, as atividades econômicas e o desenvolvimento.
As
utilidades e necessidades em face da utilização da água são inúmeras. Para
simplesmente sobreviver, uma pessoa necessita anualmente de 1000 litros de água
potável, pois 63% do peso de uma pessoa é constituído de água;
utilizada também para a preparação de alimentos, para banho, saneamento,
lavagens; os grandes reservatórios de água , tais como, rios, lagos, oceanos
propiciam o surgimento de uma variedade de animais, como por exemplo o
fitoplâncton, que é uma importante fonte de renovação de ar
atmosférico;largamente usada em processos industriais; propicia a geração de
energia elétrica através das usinas hidroelétricas; utilização na agricultura,
entre outros.
Fica
claro o quanto à água através de sua utilização regular é necessária para o
conceito de dignidade se efetuar. Usar a água se transformou num direito, e no
momento que este direito é negado, é como se estivesse sendo declarada sentença
de morte para um ser vivo.
Porém, a
água potável como um bem comum da humanidade, em face de suas fortes
características, vem tendo seu acesso prejudicado em vista do fenômeno da
privatização que está se alastrando no mundo. Assim, de dádiva inesgotável e
gratuita, passa a ser uma mercadoria, com preço e acessibilidade estabelecidos.
Desta
forma surgiu a dicotomia entre os que entendem a água como um bem pertencente a
todos, ou seja, de caráter público; com aqueles que a entendem como um bem
apropriável, ou seja, um bem privado.
Dentro
desta discussão quem está ganhando é a iniciativa privada, pois tem o capital
ao seu lado. Em 1998, o Banco Mundial previa que o comércio global da água faturaria 800
bilhões de dólares; antes de 2001 essa projeção já era de 1 trilhão de dólares.
A exploração econômica se dá através da venda de água engarrafada, das concessões do mercado de saneamento e distribuição. Isso fez com que os valores estimados de “serviços” que são promovidos anualmente pela água tivessem o valor de 1,7 x 1012 dólares por ano, sendo três vezes a cifra da produção mundial total. Tal supervalorização fez com que a mesma fosse encarada como um commodity transformou-se em um bem negociável.
Inegavelmente o
dinheiro tem um peso muito grande, tanto que os processos de privatizações da
água por parte das grandes corporações, influenciadas pela globalização,
tomaram espaço pelo mundo afora.Nada ficou para trás, nenhum setor público,
nenhum serviço público; fazendo com que a água se tornasse o petróleo do século
XXI.
Com esta corrida
econômica global das grandes corporações transnacionais, os governos acabaram
abandonando as suas responsabilidades, abandonando o seu poder de polícia se
entregando somente a interesses econômicos, o que dificultou o direito inerente
do ser humano de consumir água.
Discute-se a
legitimidade na entrega aos privados da gestão de um patrimônio coletivo como é
a água. Se existe legitimidade ao permitir que parte do rendimento gerado pelo
fornecimento da água não seja reinvestido no sistema e sirva somente para
remunerar acionistas privados.
Obviamente que
esta entrega é ilegítima. O Estado possui o dever de gerir serviços públicos
que são necessários para que o grupo social sobreviva. Tanto que quando ocorre
o acesso viabilizado pelo poder público, os custos da água para as regiões
abastecidas pelo mesmo são bem menos onerosas do que a água que é distribuída
pela iniciativa privada. E quem mais é afetado nesta distribuição privada são
as populações carentes, gastando às vezes até 20% de seus rendimentos com a
água, como por exemplo, isso ocorre em Port– au–Prince no Haiti, ou em Onitaha
na Nigéria, assim como ocorreu em Cochabamba na Bolívia.
Na organização
atual da sociedade, os homens têm que permanecerem ligados à água através de
processos artificiais, como a “rede de serviços de água”. No entanto, a
problemática reside no fato de quando o controle está na mão poder privado e
não do público, faz com que o privado obtenha um poder comparado ao de “desligar” os homens da rede, que
significa sobrevivência, privando-os do acesso pois, a quantidade liberada será
medida e cobrada; a cada um será vendido o direito à vida.
Por ser um
recurso esgotável, deve ser consumida de uma maneira racional, ou seja, que as
gerações presentes e futuras possam desfrutar da água; e sob este argumento
acabou por adquirir um valor econômico, para que fosse empregada racionalmente,
sendo que este era um argumento que favorecia as relações econômicas no
mercado.
No entanto, a
água não é um bem econômico, não é um bem que se enquadre nas relações de
mercado, onde os produtos que podem ser comercializados são capazes de ser
substituídos por outros; a água é um bem insubstituível, único; por isso é um
bem social, pertencente a toda a humanidade, não há opção de escolha, todos
precisam dela.
A água, como o
ar, pertence à Terra e a todas as espécies.
Ninguém tem o
direito de se apropriar da água e lucrar com ela às custas de despesas de
outras pessoas que possuem o direito inerente como seres humanos de utiliza –
la. A mesma é um bem público que deve ser protegido por todos os níveis de
governo e por todas as comunidades, não podendo ser privatizada, transformada
em mercadoria, como propósitos comerciais.
Assim, água para
beber, usar, preparar alimentos e para higiene pessoal deve e tem que ser
gratuita, ou seja, não sujeitas a pedidos de cobranças, pois esses usos são de
menor escala e o ser humano não consegue viver sem.
Enfim, este
líquido precioso é o proporcionador da vida humana no planeta Terra. Sendo que
vida significa desenvolvimento e dignidade que já mais podem ser burlados em
face de interesses econômicos. Precisamos ter consciência de que devemos
possuir ética em nossas ações como homens, respeitando tudo que está
relacionado ao viver e a natureza.
Bibliografia
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 2. ed.
Rio de Janeiro: Lúmen Júris,1998.
ARAÚJO, Luiz Alberto David. A Função Social da Água. In A
tutela da Água e Algumas Implicações nos Direitos Fundamentais. Bauru:
2002, p. 21-36.