Problemas Ambientais e Espaço
Algumas Questões Teóricas Metodológicas
Cantada em prosa e verso a “natureza” está sendo destruída. Os produtos resultantes desta destruição (problemas) são visíveis por toda à parte: águas continentais e oceânicas poluídas, ar atmosférico irrespirável, buraco na camada protetora de ozônio, aumento da temperatura nas áreas centrais das cidades (ilhas de calor), aumento geral da temperatura atmosférica (efeito estufa), chuvas que “limpam o ar” depositando acidez no solo, solos ressecados, desertificação, ausência de lugares para depositar os resíduos sólidos que também são visíveis nas ruas , praças, parques, praias e nos depósitos de lixo.
São ‘novos’ problemas que ocasionam aos seres humanos uma infinitude de doenças respiratórias, pulmonares, intoxicação, surdez, câncer de pele, etc. À este conjunto de problemas denomina-se problemas ecológicos, ambientais , problemática ambiental, questão ambiental, questão do meio ambiente. São ‘novos’ problemas que mostram as formas predatórias de apropriação da natureza.
Este conjunto de problemas, a questão ambiental, (re)coloca em destaque contradições da produção social do espaço e das formas de apropriação da natureza.
Formas de apropriação tanto reais - as formas concretas pelas quais a natureza é transformada -, como simbólicas - o pensamento sobre estas apropriações e transformações.
A questão ambiental deve ser compreendida como um produto da intervenção da sociedade sobre a natureza. Diz respeito não apenas a problemas relacionados à natureza mas às problemáticas decorrentes da ação social. Corresponde à produção destrutiva que se caracteriza pelo incessante uso de recursos naturais sem possibilidade de reposição. Os recursos da natureza- não renováveis- uma vez utilizados não podem ser reutilizados e assim os ciclos da natureza e da apropriação da mesma pela sociedade são necessariamente problemáticos. Os recursos tidos como renováveis estão se aproximando, pelo uso destrutivo, dos não renováveis e assim complexifica-se a problemática ambiental.
Os problemas ecológicos parecem, à primeira vista, referir-se apenas às relações homem-natureza e não as relações dos homens entre si. É preciso, assim, ter cuidado para não ocultar a existência e as contradições de classes sociais para compreender a problemática ambiental em sua complexidade, pois os problemas ambientais dizem
respeito às formas como o homem em sociedade apropria-se da natureza.
Os problemas ambientais dizem respeito às formas pelas quais se produz o espaço geográfico que compreende, no dizer de Milton Santos, os processos sociais representativos de uma dada sociedade8. O espaço geográfico não prescinde, é óbvio, da base física, dos elementos naturais, pelo contrário, como diz Neil Smith é o “substratum” material da vida diária. Não há, assim, separação entre os aspectos ‘naturais e sociais’. Neil Smith, de forma provocativa, para mostrar que não há dissociação entre natureza e sociedade, afirma que :
“a natureza geralmente é vista como aquilo que não pode ser produzida; é a antítese da atividade produtiva humana. Em sua aparência mais imediata, a paisagem natural apresenta-se a nós, como o substratum material da vida diária, o domínio dos valores de uso mais do que dos valores de troca... quando essa aparência imediata da natureza é colocada no contexto histórico, o desenvolvimento da paisagem material apresenta-se como um processo de produção da natureza. Os resultados diferenciados dessa produção da natureza são os sintomas materiais de desenvolvimento desigual. No nível mais abstrato, todavia, é na produção da natureza que se fundem e se unem os valores de uso e os valores de troca, e o espaço da sociedade” ( Smith, N. 1988:67).
Este processo, analisado por Neil Smith, compreende a produção espacial, pois como afirma o mesmo autor:
“ a menos que o espaço seja conceituado como realidade completamente separada da natureza, a produção do espaço é um resultado lógico da produção da natureza. Várias suposições seriam necessárias com relação ao significado do espaço e da relação entre espaço e natureza, mas o argumento demonstrando a produção do espaço seria claramente direto. Nossa preocupação é com o espaço geográfico que podemos considerar, no seu sentido mais geral, como o espaço da atividade humana...” (Smith, N. 1988 :109/ 110-grifos nossos).
Há que se ressaltar que o termo espaço, é como afirma Roberto Lobato: “ multidimensional e que aceitar essa multidimensionalidade é aceitar práticas sociais distintas que permitem construir diferentes conceitos de espaço”. Não entrarei, neste trabalho, no debate dos diferentes conceitos de espaço. Cabe destacar, porém, que o termo espaço é aqui utilizado - na sua mutidimensionalidade- compreendendo a produção social . Veja-se, sobre a importância do conceito do espaço: Lobato, Roberto , 1995- pgs.15 a 48- Edit.Bertrand Brasil ; O espaço em questão (vários autores) Revista Terra Livre nº 5 -1988- AGB;Gomes, Horiestes, 1991-. e vários trabalhos de Milton Santos, Manoel Correia de Andrade , etc. É
importante destacar que estes são apenas alguns autores que analisam questões teóricas metodológicas sobre o espaço objeto de análise da Geografia.
Espaço geográfico que é socialmente produzido onde se reproduzem as relações dominantes de produção, que como afirma E. Soja:
“...são reproduzidas numa espacialidade concretizada e criada , que tem sido progressivamente ocupada por um capitalismo que avança, fragmentada em pedaços, homogeneizada em mercadorias distintas, organizadas em posições de controle e ampliada para a escala global..."( Soja, E. 1993: 115-grifos nossos).
É bom salientar, que até um passado recente, a questão ambiental (mesmo que esse termo não fosse utilizado), referia-se aos eventos da "natureza" que interferiam na organização sócio-espacial mas que eram independentes da ação humana : vulcanismo,
tectonismo, enchentes e inundações, incêndios em florestas provocados por tempestades, etc. Estes "eventos naturais" eram também denominados ‘catástrofes naturais’ ou ‘desastres ecológicos’, pois independiam diretamente da ação dos homens.
Mas os próprios termos catástrofes ou desastres indicavam, não só uma análise dos processos naturais , mas a análise da interferência desses eventos na vida em sociedade.
E, nesse aspecto, ao serem analisados pela sociedade são parte integrantes do ideário -simbólico e real - do espaço social .
A natureza era tida como "mágica", independente da ação humana11, mas interferia na mesma no nível simbólico e no nível real de organização da vida.
Como diz Robert Lenoble :
“A ‘natureza em si’ não passa de abstração . Não encontramos senão uma ideia de natureza que toma “sentidos” radicalmente diferentes segundo as épocas e os homens...Como todas as nossas ideias, a imagem da natureza que prevalece em cada época e em cada meio toma assim o peso de um teor social, mas que por sua vez constitui uma presa de eleição para a magia”. ( Lenoble, R. 1969:37)
Esta fragmentação dificulta ou impede mesmo visibilidade da natureza como integrante deste processo.
Neil Smith, afirma que a partir de Francis Bacon: “tornou-se lugar comum que a ciência trate a natureza como exterior no sentido de que o método e o procedimento científico ditam uma absoluta abstração tanto do contexto social dos eventos e objetos em exame quando do contexto social da própria atividade científica. Apesar de que a Mecânica de Newton permitiu um lugar à Deus no universo natural , a sociedade e o ser humano haviam sido expulsos desse mundo”. Smith, Neil, 1988, pg.31 Ed.Bertrand Brasil. O termo natureza é , neste trabalho, utilizado com o sentido de ‘segunda’ natureza.
Sobre as concepções da natureza "mágica", veja-se Elaide, Mircea - O sagrado e o Profano-Essência das Religiões- Edições Livros do Brasil - Lisboa - 1979 . Veja-se também Lenoble, Robert - História da Ideia da Natureza - Edições 70 - Portugal -1969 que traça um histórico das idéias da natureza desde a antiguidade clássica. Veja-se também, sobre conceitos de natureza Whitehead, Alfredo, 1994. Sobre as concepções da natureza na ciência em geral e em especial na geografia, veja-se Smith, Neil 1988- Ed. Bertrand Brasil .
De modo geral era indispensável, nas diferentes imagens sobre a natureza, conhece-la para dominá-la . Muito embora alguns desses "desastres" sejam mais problemáticos nas áreas ocupadas por grandes concentrações populacionais, a pesquisa e análise sobre a natureza e sua interferência na sociedade foram realizadas desde o período da antiguidade clássica em toda parte do mundo habitado. Desde a Grécia antiga há notícias de levantamentos realizados em áreas distantes, como as que Heródoto realizou preocupado com a descrição dos lugares, Tales e Aniximandro com as medições e a discussão sobre a forma da Terra. Predomina, nesta época, a metáfora espacial concreta.
É importante assinalar que nas pesquisas realizadas até a segunda metade do século XX, as escalas de análise e de representação eram diferentes das do momento presente. As pesquisas realizadas com o objetivo de ‘descortinar’ o mundo, como as realizadas por Alexandre Von Humboldt (1769-1859), Sir Richard Francis Burton (1821-1890), são caracterizadas por longas e dificultosas expedições. Hoje o avanço científico tecnológico amplia possibilidades de levantamentos indiretos através de aerofotogrametria, pesquisas por e em satélites, sensoriamento remoto, etc. Passa-se da realidade concreta à realidade virtual, da pesquisa direta às representações em diferentes escalas e temas13.
As pesquisas realizadas demonstram o quanto a ação humana altera a natureza e, como bem observa David Drew, este processo de alteração é milenar:
“Quando o homem provoca uma alteração no seu ambiente, visa normalmente um fim imediato e óbvio. Por exemplo: a construção de uma casa, evidentemente altera o meio pelo fato de substituir um trecho de grama ou floresta por um bloco de concreto, madeira e vidro. Mas a mudança não se resume a isto. A construção irá alterar parcialmente o clima circundante, o clima modificado alterará o caráter do solo e da vegetação vizinha e, por sua vez, a mutação do solo e da vegetação redundará em alterações posteriores do clima local... ( a nível global). O homem alterou pela primeira vez a ação local da atmosfera e, portanto, o clima, há 7 ou 9 mil anos, ao mudar a face da terra com a derrubada de florestas, a semeadura e a irrigação. As mudanças climáticas daí resultantes, porém, foram quase imperceptíveis...”(Drew D.1989 :19 e 73).
Wark, Mackenzie -afirma que: “This virtual geography is no more or less ‘real’. It is a different kind of perception , of things not bounded by rules of proximity, of ‘being there’ . If virtual reality is about technologies wich increase the ‘bandwidth’ of our sensory experience of mediated and constructed images, then virtual geography is the dialectically opposite pole of the process. Is about the expanded terrain from which experience may be instantly drawn” 1994 .
Porém a aceleração do ritmo produtivo provocará profundas transformações, fazendo com que a ação humana interfira até na profundidade da crosta terrestre . Em 1939, por exemplo, com a criação do Reservatório Hoover, nos Estados Unidos, milhares de fenômenos sísmicos foram desencadeados, um dos quais atingiu 5 graus na escala
Ritcher; em 1969, a construção da Barragem de Foyna, na Índia, desencadeou terremotos que provocaram além de danos materiais a morte de 200 pessoas.
Há vários aspectos importantes na história da relação societária com a natureza, nas quais tem estado quase sempre presente a ideia que esta deve ser dominada para servir ao homem, que é “ser superior” a todos os aspectos da natureza. Não se podia, nesse sentido, considerar que as leis próprias da natureza pudessem ser desconhecidas.
Ao mesmo tempo a natureza é tida como recurso exterior ao homem. Como recurso exterior precisa ser conhecida para ser ‘aproveitada”. Ela é também considerada ‘mágica’, pois ao não se compreender muitos de seus processos estes são atribuídos à magia, são mitificados. Na época renascentista a natureza parece tomar o lugar de Deus, pois afirma-se que ela possui uma alma e vela pelo homem como uma providência15.
Mais recentemente, retoma-se a ideia de que a natureza tem vida natural própria. Nesta teoria mais recente a natureza ( a Terra em seu conjunto ) é denominada de Gaia e tem sido definida como :
“...uma entidade complexa que abrange a biosfera, a atmosfera, os oceanos e os solos da Terra; na sua totalidade, constituem um sistema cibernético ou de realimentação que procura um meio físico e químico ótimo para a vida neste planeta. A manutenção de condições relativamente constante, por controle ativo, pode ser convenientemente descrita pelo termo “homeostase” (Lovelock,1987: 27).
Embora o homem tenha "instintos naturais" e a própria vida seja "natural" a natureza tem sido considerada exterior ao homem e a sociedade. Mesmo na teoria de Gaia, que considera a existência de vida própria da terra, esta é também externa pois :
“ a Teoria de Gaia busca uma alternativa para a perspectiva pessimista que vê a natureza como uma forma primitiva a subjugar e a conquistar . É também uma alternativa àquela imagem igualmente deprimente do nosso planeta como uma nave espacial demente em viagem contínua, sem condutor ou objetivo, em torno de um circulo interior ao Sol (Lovelock, op.cit : 28).
Veja-se: Santos, AR., Prandini, FL., Oliveira, AM., - Limites Ambientais do Desenvolvimento :
Geociências Aplicadas, uma Abordagem Tecnológica da Biosfera- 1990- ABGE- Artigo Técnico. Lenoble, Roberto - op. cit pag. 26
Assim o planeta, na teoria de Gaia, deve ser visto como um ser vivo, cujos elementos seriam a biosfera terrestre, a atmosfera, os oceanos , a terra:
“Todo este conjunto (à imagem do sangue, dos ossos, da carne, etc., no ser humano) comportar-se-iam como qualquer outro ser vivo, reagindo de modo a manter e recriar continuamente as condições de sua existência. Assim, se o homem alterar um dos elementos de “Gaia”, por exemplo a camada de ozônio, provocará da parte deste reações que o eliminarão, tal como um micróbio prejudicial é eliminado pelos anticorpos segregados pelo organismo” (Thomaz, T. 1992 : 22).
A natureza é considerada: mágica , recurso natural, tendo leis próprias.16 Esta natureza deveria ser dominada para 'servir' ao homem , etc. Evidentemente o homem , através da sua 'natureza' social se apropria da natureza para transformá-la em bens aproveitáveis. Mas para apropriar-se da natureza é preciso conhecer as suas leis, e o agente motor deste conhecimento, desde o século XVII, é a ciência . Ciência que é produto do desenvolvimento social, mas que também tem sido considerada ‘exterior’ (superior ao homem) e, ao mesmo tempo, tem sido sacralizada.
Como a natureza é um recurso, um bem aproveitável, quando se verifica a possibilidade de seu esgotamento, inicia-se a preocupação com estes ‘recursos’ que estão sendo paulatinamente dilapidados. Até recentemente, a preocupação maior estava relacionada às rochas, minerais, espécies vegetais, tipos de solos, tidos como não renováveis. A noção da não renovabilidade estava imbricada com os processos específicos e temporais de sua formação, ou seja, levaram dezenas ou milhares de anos para serem formados . O exercício realizado por Ron L Eicher dá a ideia do tempo necessário para a formação em tempos geológicos pretéritos. Demonstra, este autor, que numa história geológica de 4,5 bilhões de anos comprimida num ano , o Homo Sapiens teria aparecido faltando menos de 4 horas para o findar do ano. É , assim, significativo que a história do homem na superfície da terra corresponde apenas a uma ínfima fração do tempo geológico. Constituiu-se a análise do tempo geológico e do tempo histórico num importante elemento (evidentemente não o único), para a caracterização de um recurso renovável e de um não renovável. Pois como diz Eicher:
Há que se acrescentar que a natureza também é tida como dialética, sistêmica, ( mas cabe indagar se não é o método de análise é que é dialético ou sistêmico?), máquina, etc. Veja-se a respeito, entre outros, Capra, 1982- O Ponto de Mutação; F, Morin 1977-O método- a natureza da natureza; Engels, A-1979Dialética da natureza, Falatiev, Kh-1966- O materialismo dialético e as ciências da natureza.Compreendem métodos de análise que atribuem um significado à própria natureza. 17Eicher, R.L. -O tempo Geológico - São Paulo - Editoras Brucher/USP-1969.
Para compreender o mecanismo da natureza, porém, precisamos entender não só como ele opera, agora, mas como foi formado durante bilhões de anos. O processo de evolução biológica tem sido uma tarefa intermitente. O curso da evolução tem sido alterado, desde o sucesso e fracasso relativos de partes individuais da máquina ecológica, até a destruição catastrófica de partes inteiras do aparelho. A evolução não é lógica , nem suave; mas produziu-nos, produziu todos os nossos companheiros vivos e produziu aspectos importantes do nosso ambiente físico. Em suma, vivemos todos num mundo que evolui, e a humanidade evoluiu com ele” (Eicher, Paul R. 1993: 2).
A natureza tem, sem dúvida nenhuma, uma história e está em perpétuo
movimento, não é um ecossistema permanente , o que pode ser demonstrado pelo ‘tempo’ de formação de alguns dos recursos naturais. Por exemplo, foram necessários 500 mil anos para formar a floresta tropical; 500 milhões de anos para formar os combustíveis fósseis; 2 bilhões de anos para formar a camada de ozônio. Estes tempos de constituição ou de reconstituição na história da natureza não correspondem, obviamente, à rapidez com que o homem pode e a tem utilizado/destruído.
Assim, recursos naturais que demandaram processos específicos de formação em eras geológicas pretéritas, são considerados não renováveis , enquanto outros recursos mesmo tendo sido formados em eras geológicas pretéritas , pelas características permanentes e contínua de formação, dissolução, circulação -e até mesmo pela abundância -são considerados renováveis.
A preocupação com os recursos não renováveis relaciona-se com a
possibilidade de seu esgotamento e, assim, da impossibilidade de continuar a ser utilizado como matérias primas para a indústria. Impõe-se, também, a necessidade de encontrar substitutos para os mesmos. Desse modo, a consideração de renovável e não renovável , estava imbricada com o tempo geológico e com as características do meio físico - ecossistemas - que permitiam (ou não) a contínua renovação e , sem dúvida, relacionada com a ‘necessidade’ de cada um desses recursos pela sociedade. A natureza é , então, ao mesmo tempo, recurso renovável - que poderia ser utilizado indefinidamente - e recurso não renovável, que poderia ser utilizado até seu esgotamento ou até que outras fontes de recursos fossem descobertas para a sua substituição19. Mas, Embora discordando da ideia de mundo máquina penso que as ideias de evolução do autor mostram sincronia do meio físico com o societário.
A geologia , enquanto ciência, pode ter dado importância tanto ao tempo geológico como as características espaciais , contudo, a forma como se deu, socialmente, a apropriação das analises está como já dito, os renováveis acabam por ser tão intensamente ‘alterados/destruídos’ que esta noção altera-se, todos passam a ser considerados como finitos. Há que se considerar que a finitude compreende a não renovabilidade e que começou, neste findar de século, a ser compreendida como um limite para a exploração desenfreada da natureza.
O que demonstra, penso, que havia (e ainda há) a sacralização da ciência e da tecnologia , da razão , do tempo histórico, melhor dizendo, da historicidade, do evolucionismo. Mas é, também, a fé na magia da natureza que continuaria a fornecer indeterminadamente, e sem limite, de tempo os recursos necessários para a sobrevivência da humanidade. A ênfase na razão, na capacidade científica/tecnológica, está pautada no tempo histórico, pois se a sociedade em “tão pouco tempo” descobriu tantos recursos e fontes de energia , certamente com o avanço científico/tecnológico descobrirá novas alternativas para estas fontes. Como bem afirma Tom Thomas:
“O uso generalizado dos adubos (no caso da agricultura) ...são um meio para satisfazer a necessidade de produzir mais no mesmo espaço...Assim, se a produção mundial de cereais se multiplicou por 2,6 entre 1950 e 1986, a de pesticidas multiplicou-se por 20 e a de adubos químicos por 10”(Thomaz, 1992: 50 grifos nossos).
Constatado que os tempos geológicos e o dos ecossistemas são diferentes dos tempos sociais , atribui-se a possibilidade de superação dos diferentes tempos pela aceleração do "tempo social", pela produção de mais no mesmo espaço. Embora os processos da natureza não se acelerem naturalmente, é possível sua aceleração pela aplicação de tecnologias. Ciência e técnica são , também, considerados como importantes elementos de descoberta de novas alternativas de recursos naturais. Ciência e técnica como possibilidade de 'descobertas' de formas e processos construtivos , de processos de contenção de enchentes, de novas fontes de recursos, de energia, enfim, de superação da natureza pela tecnologia, são confundidas com um ilimitado poder de criação da vida. Ao mesmo tempo, a própria tecnologia impõe novos limites e assim trata-se, hoje, da superação de problemas criados pela própria tecnologia. Ou seja, gastam-se “fortunas” para tratar das doenças causadas pela poluição, pelos pesticidas, para despoluir a água contaminada, etc. decorrentes da intensificação do uso do espaço e da natureza. Mas o maior custo só tem sido contabilizado como números. As vidas destruídas no processo de produção/destrutiva são reduzidas somente à quantidade de pessoas.
relacionada ao tempo e não as características espaciais. É mais frequente destacar-se o tempo - e a era geológica - na qual o petróleo, o carvão, o diamante, etc. se formaram do que as condições ambientais espaciais da sua formação.
Com o tempo parecia que tudo se resolveria. A análise do espaço é obscurecido pela do tempo . A metáfora temporal camufla a metáfora espacial. Intensifica-se o uso do espaço para obter-se maior produtividade espacial .
Cabe reforçar que o problema da esgotabilidade dos recursos não se coloca apenas na finitude do uso/destrutivo dos mesmo, pois uma utilização mais racional (economia de recursos) pode retardar o tempo de esgotamento de um recurso, mas de qualquer modo este acabaria- com o tempo- se esgotando. Também não se trata de pensar na ‘eterna’ possibilidade de substituir um recurso, que está se esgotamento, por outro.
Processo que poderá ser viável por um tempo mas que também poderá encontrar seus limites. É evidente que a história da humanidade parece, até hoje, ter criativamente superado limites. Mas também é verdade que o ritmo da produção/destrutiva nunca foi tão acelerado como neste findar de século.
Um grande problema, da intensificação da produção/destrutiva, senão o maior, está no que se convencionou chamar de problemática ambiental, na criação de novas necessidades que não satisfazem necessidades humanas enriquecedoras, mas apenas correspondem a modos de vida da sociedade do descartável. E, na sociedade do descartável, o tempo e o espaço são tidos como separados, produzem-se cada vez mais e mercadorias - que duram cada vez menos-, e utiliza-se de forma intensiva o espaço para produzir mais. É preciso considerar que não se pode separar o tempo do espaço, pois são a substância material da própria vida. Como diz Soja, tempo e espaço são dialeticamente inseparáveis:
"..os dois conjuntos de relações estruturadas - o social e o espacial - não são apenas homólogos, no sentido de provirem das mesmas origens no modo de produção , como também dialeticamente inseparáveis... De uma perspetiva materialista, seja ela mecanicista ou dialética , o tempo e o espaço, no sentido geral ou abstrato, representam a forma objetiva da matéria. Tempo, espaço e matéria estão inextricavelmente ligados, sendo a natureza dessa relação tema central na história e na filosofia da ciência" (Soja, 1993: . 99 e 101).
É preciso, para compreender a dinâmica das relações societárias com a natureza, não separar o tempo do espaço que é produzido socialmente. E não separar também a natureza da sociedade, o que significa compreender a diversidade social e as formas pelas quais a sociedade se apropria e transforma esta natureza e produz o espaço social. Como disse Marx:
“toda a produção é a apropriação da natureza pelo indivíduo, no seio de uma determinada forma social e por intermédio dela”(Marx, K. 1974: 112).
A sociedade se apropria assim da natureza e a transforma pelo trabalho social e se realiza na produção sócio-espacial.
A questão ambiental, tal como é entendida hoje , diz respeito, principalmente , ao "produto" da intervenção da sociedade sobre a natureza . Não mais apenas "problemas
da natureza", meio físico, mas também e sobretudo a problemática decorrente da ação societária . Somam-se assim ao vulcanismo, tectonismo, etc. 20, ações decorrentes da intervenção social .
Alguns ecossistemas , como o da atmosfera, permitem visualizar , de modo geral, esta passagem da aparente dependência apenas de fatores internos para a interdependência com a ação humana . Dada a sua composição e a circulação das massas de ar, a atmosfera foi considerada um "recurso" renovável e eterno. Se os desmatamentos alteravam esta renovação poder-se-ia, pensava-se, reconstruir florestas através do reflorestamento. A verdade é que só recentemente verificou-se que os processos de reflorestamento, embora muito importantes para a questão do oxigênio e mesmo dos solos, não repõe a biodiversidade perdida. Pensava-se, também, que a circulação das massas de ar, as precipitações atmosféricas, provocariam a "limpeza” do ar. Um exemplo disso são as questões apontadas para a localização de indústrias poluentes como em Cubatão e as formas de circulação do ar na área de implantação industrial. Os poluentes não seriam, no caso, transportados e assim concentrar-se-iam, apenas, na área da Baixada Santista . O que significava que em outra localidade não haveria concentração de poluentes e as indústrias poderiam simplesmente jogá-los na atmosfera. Se é verdade que, no caso, ocorre forte concentração de poluentes. Podemos citar como exemplo o terremoto ocorrido em janeiro de 1994 em Los Angeles, que demonstra a ação dos agentes internos e como o produto destes agentes tem destruído e ocasionado problemas para a sociedade - pelo menos à nível local e nacional . A imprensa ,em geral, destaca os problemas das perdas econômicas e secundariamente os da perda de vidas. Aliás a morte aparece como espetáculo visual -televisivo. Parece uma naturalização da sociedade.
Precipitados no próprio local, não é menos verdade que os problemas de poluição atmosférica não se limitam à Cubatão. Mas no processo mudou, ao mesmo tempo, a escala do conhecimento e a dimensão espacial, revelando aquilo que ficava turvo em pesquisas diretas e localizadas.
Ou seja, fica demonstrado que a natureza não tem fronteiras, que a escala global da economia é precedida da escala espacial global , da escala natural da terra. Retoma-se, assim, a diferenciação das escalas espaciais nos estudos da Geografia do mundo. O que traz a tona este aspecto é a problemática ambiental. Com muita propriedade Giddens , afirma que :
"A maioria dos cientistas sociais trata o tempo e o espaço como meros ambientes de ação e aceita irrefletidamente a concepção do tempo que, enquanto tempo cronometravel, é característico da moderna cultura ocidental . Com a exceção dos recentes trabalhos de geógrafos, os cientistas sociais não foram capazes de construir seu pensamento em torno dos modos como os sistemas sociais são constituídos através do espaço-tempo " ( Giddens, A 1989: 89 -grifos nossos).
Ainda que a compreensão do espaço tempo esteja restrito aos geógrafos da atualidade, esta é uma importante questão que permite novas leituras do território.
Ao mesmo tempo altera-se o conceito de renovabilidade e o de escala espacial. O volume e o tipo de gases e poluentes lançados na atmosfera têm provocado a alteração do conceito de renovabilidade. Os gases, assim como a própria atmosfera em seu conjunto, circulam , alteram-se. Assim a atmosfera está em perpétua mudança. Os gases/poluentes, embora possam concentrar-se em determinados lugares, estão presentes
na atmosfera em seu conjunto. Uma das formas consideradas como de "dissolução " da poluição , as precipitações atmosféricas são, contraditoriamente, o demonstrativo da globalidade da natureza. As chuvas ácidas começam a ameaçar áreas/regiões sem fontes poluidoras. A chuva ácida foi "descoberta" no final do século XIX por Robert Angus Smith , que verificou que a alteração do PH das águas das chuvas coincidia perfeitamente com os mapas de regiões de grande queima de carvão e fortes correntes de ar 23. Mas é só à partir da década de 60 do século XX que se constatam danos em grandes extensões de florestas em áreas distantes de qualquer fonte direta de poluição .
As contradições da produção social do espaço, embora reveladas com ênfase, são pouco compreendidas e pouco difundidas. E este é um desafio deste findar do século XX.
Evidencia-se , assim , através da poluição , da destruição da natureza, que a natureza tem uma dimensão global . Que o espaço a ser considerado para a problemática ambiental é o espaço mundial, pois a circulação atmosférica não tem fronteiras nacionais, nem locais. Embora em alguns lugares, como no já citado Cubatão, possa haver forte concentração de poluentes relacionados a implantação industrial, que não levou em conta a circulação local da atmosfera que indica o sítio como inadequado para instalação industrial, os problemas de poluição atmosférica situam-se muito além das fronteiras da área industrial em questão. O tempo aqui não parece mais ser fonte de resolução de problemas, mas sim de "acumulação” de problemas . A circulação do ar atmosférico de regiões industriais levam, para longe, os poluentes ocasionando a acidez das águas das chuvas e danificando solos, vegetação e mesmo produtos industriais. A escala de análise não pode ser mais apenas a local ou mesmo a regional ou a nacional.
Não pode ter como limites as fronteiras de nações; mas precisa ser mundializada, precisa ser a da natureza. Desse modo, poder-se-á compreender não só a dimensão temporal diversa da produção da natureza e da sociedade mas também a dimensão espacial.
Podemos então indagar: a metáfora temporal encontrou seus limites ? A metáfora espacial localizada, sem a compreensão da globalidade, encontrou também seus limites?
As respostas são complexas e difíceis, mas de qualquer modo à metáfora temporal agrega-se a metáfora espacial em várias escalas. “Novas” escalas precisam ser compreendidas. A escala laboratorial não dá conta de compreender a dimensão da problemática que se coloca no mundo atual.
O "tempo" de renovação dos recursos renováveis parece aproximar-se, hoje, do tempo geológico para a formação, o que significa que nem tudo com o tempo se resolve ou se renova; pelo contrário, o tempo de acumulação dos poluentes está impossibilitando a renovação da atmosfera e, também , da hidrosfera, cuja poluição se expressa não só pela acidez das águas como também pela alteração dos solos, pela anunciada escassez de água potável para o abastecimento dos moradores das cidades e para a irrigação no campo (água, outro “recurso” tido como renovável torna-se não renovável). O vice-presidente do Banco Mundial, em relatório sobre o uso sustentável de recursos hídricos, afirma que no século XXI as guerras não terão como objeto de disputa o petróleo ou a política mas sim as águas, já que sua escassez está fazendo surgir inclusive uma política das águas .
“nos dias de hoje 250 milhões de pessoas distribuídas em 26 países já enfrentam a escassez crônica de água; no ano 2025, serão 3 bilhões de pessoas em 52 países... a demanda mundial de água tem dobrado a cada 21 anos e nos dias de hoje a maior parte dos recursos hídricos do planeta está comprometida pela poluição doméstica, industrial e agrícola, por desequilíbrios ambientais resultantes do desmatamento e uso indevido do solo”( FSP 1/10/95).
Fica evidente a preocupação com este “recurso” - água- que se torna cada vez mais escasso e caro no processo de produção destrutiva. Descobre-se, assim, que a frase de Benjamim Franklin (inventor e diplomata norte-americano): “Quando o poço esta seco, conhecemos o valor da água”, não é mera retórica. O tempo de uso com desperdício acumulou problemas , não os resolveu, embora se possa, dado o desenvolvimento tecnológico, ir procurar-se água cada vez mais longe, expandindo-se e intensificando-se o uso do recurso e do espaço.
O tempo, ou a metáfora temporal, e a ideia de renovação da atmosfera (um recurso) tem também alguns aspectos diferentes quando analisamos a questão do buraco da camada de ozônio na atmosfera. O ozônio ( 03), molécula formada na estratosfera, absorve a radiação ultravioleta e é sabido que o excesso de radiação ultravioleta pode danificar células vegetais e animais . Mas, no processo de desenvolvimento científico/tecnológico, em 1928, um grupo de cientistas 'inventou' um gás atóxico e inerte : o clorofluorcarboneto ou CFC , que passou a ser utilizado largamente como elemento refrigerante em geladeiras, em ar condicionado, como gás dispersor em latas de aerossol, na fabricação de caixas de ovos, xícaras de café, embalagens de lanchonetes, etc. Mas o CFC além de inerte , atóxico, e muito útil, pode permanecer intacto por mais de um século, podendo subir até a estratosfera e reagir com o ozônio (O3) destruindo-o em grandes quantidades . A produção de um gás que permanece inerte e intacto por um tempo de vida maior do que a vida média do homem -inclusive dos cientistas que o projetaram- demonstra ao mesmo tempo o limite do conhecimento científico/tecnológico e o limite das escalas tempo/espacial utilizado como base na ciência/tecnologia, além do limite do conceito de renovabilidade.
No caso do CFC utilizou-se largamente um gás cujos efeitos não eram então conhecidos. Mas a fé na ciência não podia levantar a suposição de que estes gases ocasionariam problemas. Só 60 ( sessenta ) anos depois concluiu-se que apenas uma desativação rápida e total de todas as substâncias químicas que destroem o ozônio poderia começar a melhorar os níveis de ozônio nas próximas décadas , o que deu origem à assinatura do chamado Protocolo de Montreal. Está previsto no Protocolo de Montreal que deve ocorrer, até do final do século, uma redução de 50% do CFC na atmosfera. As Convenções assinadas na Conferências das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento- Eco-92 remeteram , também ao ano 2000, a redução drástica de vários outros gases na atmosfera :
O objetivo da Convenção, assinada por 154 países é: "conseguir a estabilização da concentração de gases termoativos na atmosfera responsáveis pelo efeito estufa- como o dióxido de carbono, o metano, o ozônio, os clorofluorcabonos e os óxidos de nitrogênio a um nível que impeça a interferência antropogênica perigosa no clima, a um prazo suficiente para que os ecossistemas possam adaptar-se naturalmente às mudanças climáticas , a fim de evitar a ameaça à produção de alimentos e permitir que as atividades econômicas se desenvolvam de forma sustentável e ambientalmente idônea" ( Tempo e Presença, 1992-grifos nossos).
Assim a sociedade busca encontrar saídas para as portas que ela mesmo fechou ao longo do tempo. Ao mesmo tempo que aumenta o buraco da camada de ozônio, a poluição em geral e a possibilidade do efeito estufa, as pesquisas tecnológicas buscam substitutos para os gases que no futuro poderão trazer outros problemas, que poderão encontrar outros limites no espaço natural e social .
A globalidade da natureza e sua espacialidade podem, também, ser observadas pelo processo do que se convencionou chamar de “efeito estufa”.
Muitos gases lançados na atmosfera contribuem para o efeito estufa. Alguns autores dizem que significa uma 'nova atmosfera', que contará com alterações nos ventos, nas precipitações atmosféricas e consequentemente no relevo (se pensarmos nos chamados agentes modeladores externos do relevo), na conformação dos oceanos , mares e evidentemente na superfície da terra. As inundações provenientes do derretimento das geleiras atingiria planícies costeiras, impedindo grandes contingentes populacionais de continuarem a plantar e a morar nessas áreas. Ter-se-ia , assim, com a diminuição das áreas hoje produtivas , o aumento da pobreza no mundo.
Muitas são as controvérsias sobre o aumento da temperatura na atmosfera e sobre os seus efeitos. É importante destacar que o aumento da temperatura -efeito estufa- é como diz Tom Thomaz24 perfeitamente natural, o que não é ‘natural’ é a aceleração do aquecimento. Não há dúvidas, entre os cientistas, de que a causa deste aquecimento está relacionado ao aumento, na atmosfera, de gases provenientes de indústrias, de produtos.
Thomaz, Tom -A ecologia do absurdo-1994- Edições Dinossauro-Lisboa industriais como o automóvel, de queimadas nas florestas, etc. Parece, também, não haver dúvidas que se não for contida a emissão de gases a natureza da atmosfera continuará se alterando ( Legget, 1989).
A acumulação de tempos (e de gases poluentes) , o tempo de duração do CFC no espaço e a circulação atmosférica, a finitude do recurso “água”, colocam em destaque problemáticas sócio-ambientais. Mas, como aponta Castoriads, a resposta : "da próxima vez estaremos bem informados e agiremos melhor ", pode não ser mais a solução. E a procura de solução do ‘tempo privado de sentido’ pelo do ‘tempo pleno de sentido’ pode ser exemplificavel na busca de soluções para o crescimento populacional - entre as quais o uso de pílula anticoncepcional :
"as discussões e as preocupações sobre seus efeitos colaterais indesejáveis estiveram centradas na questão de saber se as mulheres que utilizam a pílula poderiam engordar ou contrair câncer ...(contudo) a questão pertinente é : que poderá acontecer com a espécie se as mulheres tomarem a pílula durante mil gerações, isto é daqui a vinte e cinco mil anos? Isto equivale a um experimento com uma cultura de bactérias durante mais ou menos 3 (três) meses... Ora é claro que vinte e cinco mil anos são um lapso de tempo "privado de sentido" para nós. Em consequência, nós agimos como se o fato de não nos preocuparmos com os possíveis resultados de que fazemos fosse "pleno de sentido"...." (Castoriads, C. 1988 : 155).
Qual é o tempo "privado de sentido" e o qual tempo "pleno de sentido" na
questão da ciência/tecnologia que parece tudo poder resolver na busca do desenvolvimento da produção de novas mercadorias a qualquer custo e em qualquer espaço? Da mesma forma podemos indagar qual é a ‘escala plena de sentido’ e a ‘escala privada de sentido’ das pesquisas laboratoriais , da realidade virtual, na escala do globo?
Os vários processos que produzem alterações substanciais na natureza tem permanecido obscurecido sob o manto da "modernidade" e da contínua produção de mercadorias. São realizadas pesquisas em grande número, no entanto , a maioria localizáveis e localizadas em áreas restritas quando comparadas com a escala do globo terrestre, mesmo considerando-se o atual desenvolvimento tecnológico e o uso do sensoriamento remoto, de formas de representação que estão muito além das explorações diretas. Com a ideia ( ilusória) da tecnologia como solução, ou seja, de que se encontrarão soluções para os problemas, atua-se nas consequências do produção destrutiva. Criam-se filtros para indústrias, automóveis, etc. poluírem menos. Assim, da mesma forma que com o tempo poder-se-iam encontrar outros “recursos” para os esgotáveis, a solução dos problemas parece vir com o tempo. Inicialmente buscando aumentar o tempo de ‘vida’ e diminuindo os efeitos perversos da produção, ter-se-ia, assim, mais tempo para encontrar outras formas de produção. A noção de tempo (privado de sentido) oculta a natureza e a produção social do espaço. O uso da categoria tempo oculta a categoria espaço. O espaço parece entrar apenas pelas portas dos fundos nas pesquisas e nos ideários. Se o espaço (a produção social) não for compreendido como esperar encontrar ‘soluções’? Estas soluções só podem ser ‘mágicas’ construídas laboratorialmente, mas não condizentes com a dinâmica e a escala da produção espacial.
Sem desconsiderar as possibilidades de encontrarem-se soluções para muitos problemas ocasionados pelo modo industrial de produzir , quero destacar que as análises tem sido sempre parciais . Se há análises globais não são divulgadas. O que é de domínio público são “soluções” que resolveriam (circunscreveriam) os problemas já existentes. Não tem sido possível vislumbrar perspectivas de mudança nas formas de apropriação da natureza pela sociedade, exceto por propostas alternativas de pequenas comunidades.
Um aspecto importante sobre a cortina de fumaça que envolve o processo de produção destrutiva diz respeito a quem tem sido responsabilizado pelos problemas ambientais. Em geral , responsabilizam-se apenas alguns ‘setores’ da sociedade. Por exemplo, com relação ao efeito estufa e à poluição atmosférica, considera-se que é o automóvel que polui. A solução, para continuar por algum tempo sem ‘resolver’ o essencial , parece ser "deixar o carro em casa uma vez por semana"26. Mas , então, para que se desenvolvem sempre carros novos e mais modernos? Parece que o responsável pela poluição e pelo aumento da temperatura - efeito estufa - é o automóvel em si, ou seu proprietário, e não a produção de mercadorias, o desenvolvimento científico-tecnológico que "criou” o automóvel 27. Parece, também, que o
desenvolvimento científico tecnológico não faz parte da produção sócio-espacial. Embora já esteja demonstrado , em larga medida, que a produção de mercadorias e a produção da segunda natureza sejam “responsabilidade" do modo industrial de produzir, esta está Veja-se, na parte final deste trabalho, os projetos de lei no Município e Estado de São Paulo, que demonstram que a preocupação com o meio ambiente é mais corrigir do que prevenir problemas.
Veja-se a implantação do ‘rodizio’ tentando evitar-se o aumento dos gases poluentes, provenientes do que se chama de efeito inverno.
Afirma-se sempre que os veículos ocasionam congestionamento, poluição, etc, o que é verdade.
Contudo, a produção de automóveis é considerada favorável ao desenvolvimento econômico, é considerada "motor” de desenvolvimento. Mas o automóvel tem um custo social elevado (barulho, poluição do ar, congestionamentos) mas seu controle pela mão invisível do mercado é extremamente difícil. É o que conclui, também, Lee Schipper considerando que:” não existe uma ligação clara entre os benefícios de uma viagem de automóvel e os custos sociais decorrentes”-GM 29 e 30/6/96.
simbolicamente deslocada para os indivíduos consumidores. Responsabilizar o “consumidor” é uma forma de “preservar” o ideário de que quem produz é o capital e não o trabalho e que o capital é responsável pela riqueza e não pela pobreza ou destruição da natureza. Impede, também, que se analisem, corretamente, as diversas propostas contidas no princípio poluidor/pagador. Na delimitação do princípio poluidor-pagador poderia ficar mais evidente os reais agentes da produção/destrutiva.
A ausência de análises consistentes sobre a produção sócio-espacial é visível em propostas de políticas públicas, onde se “planeja” o desenvolvimento com metas numéricas, onde o espaço onde se concretizarão estas metas é desconhecido ( ou pelo menos não tem sido mencionado).
Ao nível dos discursos, porque a realidade não é alterada pelos discursos, naturaliza-se a produção social e socializa-se a natureza. Mas, simultaneamente , a ciência moderna provoca a desumanização da natureza e a desnaturalização da sociedade , pois temos que levar em conta, como afirma Boaventura Souza, que a ciência moderna :
"provoca uma ruptura ontológica entre o homem e a natureza, na base da qual outras se constituem, tais como a ruptura entre o sujeito e o objeto, entre o singular e o universal, entre o mental e o material , entre o valor e o fato, entre o privado e o público e, afinal, a própria ruptura entre as ciências naturais e as sociais" ( Souza, Boaventura, 1991: 66)
As rupturas epistemológicas decorrentes da ruptura entre o homem e a natureza implicam ( determinam?) a elaboração de metáforas , onde a natureza deve ser dominada, pois é tida como recurso a ser utilizado na produção de mercadorias. Mas ao mesmo tempo, como já dito, implica em deslocar as responsabilidades para o consumidor final . A natureza - entendida como recurso- é submetida a um processo intenso e crescente de transformação, propiciado pelo desenvolvimento científico/tecnológico, fazendo desaparecer a natureza natural, ou seja, a primeira natureza. Como afirma Mackibenn B :
O barulho da motoserra não abafa todos os ruídos da floresta ou afugenta os animais, mas acaba com a sensação de que se está em outra esfera, separada, eterna, selvagem. Agora que mudamos as forças básicas ao nosso redor, o barulho da motoserra estará sempre nos bosques. Mudamos a atmosfera e isso mudará o 28 As propostas contidas no princípio poluidor pagador são complexas e vão desde a atribuição de um
‘preço’ para os poluidores ( o que poderia permitir a poluição/destruição, desde que paga), até a contradição com os princípios do desenvolvimento sustentável ( que prevê o uso racional de recursos).
clima... Não acabamos com a chuva ou com a luz do sol... mas o significado do vento, sol, chuva - da natureza- já mudou( Mackibenn, 1989: 55).29
Há, assim, um processo concomitante e contraditório de desnaturalização e socialização da natureza. Natureza socializada através da produção social ao mesmo tempo em que ocorre intensamente a desnaturalização da natureza. Podemos considerar que a maior parte do globo terrestre é, hoje, conhecido e que sofre a interferência social, mesmo que seja apenas através de uma delimitação territorial. Os ares estão demarcados como espaços aéreos territoriais , os mares também o estão, as florestas
mesmo tendo trechos não pesquisados diretamente, recebem a interferência da circulação atmosférica, das águas e de demarcação territorial. Trata-se da socialização da natureza , que é ao mesmo tempo sua desnaturalização. Trata-se, assim, de umas das dimensões do processo de globalização sócio-espacial. Estas transformações mostram, como diz Lenoble, acima citado, que as ideias, a imagem da natureza que
prevalece em cada época e em cada meio tem o peso de um teor social, mas que por sua vez constitui uma presa de eleição para a magia . A magia do mercado, que desde o final da década de 80 parece estar contida na ideia e ideário do Desenvolvimento Sustentável.
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Cantada em prosa e verso a “natureza” está sendo destruída. Os produtos resultantes desta destruição (problemas) são visíveis por toda à parte: águas continentais e oceânicas poluídas, ar atmosférico irrespirável, buraco na camada protetora de ozônio, aumento da temperatura nas áreas centrais das cidades (ilhas de calor), aumento geral da temperatura atmosférica (efeito estufa), chuvas que “limpam o ar” depositando acidez no solo, solos ressecados, desertificação, ausência de lugares para depositar os resíduos sólidos que também são visíveis nas ruas , praças, parques, praias e nos depósitos de lixo.
São ‘novos’ problemas que ocasionam aos seres humanos uma infinitude de doenças respiratórias, pulmonares, intoxicação, surdez, câncer de pele, etc. À este conjunto de problemas denomina-se problemas ecológicos, ambientais , problemática ambiental, questão ambiental, questão do meio ambiente. São ‘novos’ problemas que mostram as formas predatórias de apropriação da natureza.
Este conjunto de problemas, a questão ambiental, (re)coloca em destaque contradições da produção social do espaço e das formas de apropriação da natureza.
Formas de apropriação tanto reais - as formas concretas pelas quais a natureza é transformada -, como simbólicas - o pensamento sobre estas apropriações e transformações.
A questão ambiental deve ser compreendida como um produto da intervenção da sociedade sobre a natureza. Diz respeito não apenas a problemas relacionados à natureza mas às problemáticas decorrentes da ação social. Corresponde à produção destrutiva que se caracteriza pelo incessante uso de recursos naturais sem possibilidade de reposição. Os recursos da natureza- não renováveis- uma vez utilizados não podem ser reutilizados e assim os ciclos da natureza e da apropriação da mesma pela sociedade são necessariamente problemáticos. Os recursos tidos como renováveis estão se aproximando, pelo uso destrutivo, dos não renováveis e assim complexifica-se a problemática ambiental.
Os problemas ecológicos parecem, à primeira vista, referir-se apenas às relações homem-natureza e não as relações dos homens entre si. É preciso, assim, ter cuidado para não ocultar a existência e as contradições de classes sociais para compreender a problemática ambiental em sua complexidade, pois os problemas ambientais dizem
respeito às formas como o homem em sociedade apropria-se da natureza.
Os problemas ambientais dizem respeito às formas pelas quais se produz o espaço geográfico que compreende, no dizer de Milton Santos, os processos sociais representativos de uma dada sociedade8. O espaço geográfico não prescinde, é óbvio, da base física, dos elementos naturais, pelo contrário, como diz Neil Smith é o “substratum” material da vida diária. Não há, assim, separação entre os aspectos ‘naturais e sociais’. Neil Smith, de forma provocativa, para mostrar que não há dissociação entre natureza e sociedade, afirma que :
“a natureza geralmente é vista como aquilo que não pode ser produzida; é a antítese da atividade produtiva humana. Em sua aparência mais imediata, a paisagem natural apresenta-se a nós, como o substratum material da vida diária, o domínio dos valores de uso mais do que dos valores de troca... quando essa aparência imediata da natureza é colocada no contexto histórico, o desenvolvimento da paisagem material apresenta-se como um processo de produção da natureza. Os resultados diferenciados dessa produção da natureza são os sintomas materiais de desenvolvimento desigual. No nível mais abstrato, todavia, é na produção da natureza que se fundem e se unem os valores de uso e os valores de troca, e o espaço da sociedade” ( Smith, N. 1988:67).
Este processo, analisado por Neil Smith, compreende a produção espacial, pois como afirma o mesmo autor:
“ a menos que o espaço seja conceituado como realidade completamente separada da natureza, a produção do espaço é um resultado lógico da produção da natureza. Várias suposições seriam necessárias com relação ao significado do espaço e da relação entre espaço e natureza, mas o argumento demonstrando a produção do espaço seria claramente direto. Nossa preocupação é com o espaço geográfico que podemos considerar, no seu sentido mais geral, como o espaço da atividade humana...” (Smith, N. 1988 :109/ 110-grifos nossos).
Há que se ressaltar que o termo espaço, é como afirma Roberto Lobato: “ multidimensional e que aceitar essa multidimensionalidade é aceitar práticas sociais distintas que permitem construir diferentes conceitos de espaço”. Não entrarei, neste trabalho, no debate dos diferentes conceitos de espaço. Cabe destacar, porém, que o termo espaço é aqui utilizado - na sua mutidimensionalidade- compreendendo a produção social . Veja-se, sobre a importância do conceito do espaço: Lobato, Roberto , 1995- pgs.15 a 48- Edit.Bertrand Brasil ; O espaço em questão (vários autores) Revista Terra Livre nº 5 -1988- AGB;Gomes, Horiestes, 1991-. e vários trabalhos de Milton Santos, Manoel Correia de Andrade , etc. É
importante destacar que estes são apenas alguns autores que analisam questões teóricas metodológicas sobre o espaço objeto de análise da Geografia.
Espaço geográfico que é socialmente produzido onde se reproduzem as relações dominantes de produção, que como afirma E. Soja:
“...são reproduzidas numa espacialidade concretizada e criada , que tem sido progressivamente ocupada por um capitalismo que avança, fragmentada em pedaços, homogeneizada em mercadorias distintas, organizadas em posições de controle e ampliada para a escala global..."( Soja, E. 1993: 115-grifos nossos).
É bom salientar, que até um passado recente, a questão ambiental (mesmo que esse termo não fosse utilizado), referia-se aos eventos da "natureza" que interferiam na organização sócio-espacial mas que eram independentes da ação humana : vulcanismo,
tectonismo, enchentes e inundações, incêndios em florestas provocados por tempestades, etc. Estes "eventos naturais" eram também denominados ‘catástrofes naturais’ ou ‘desastres ecológicos’, pois independiam diretamente da ação dos homens.
Mas os próprios termos catástrofes ou desastres indicavam, não só uma análise dos processos naturais , mas a análise da interferência desses eventos na vida em sociedade.
E, nesse aspecto, ao serem analisados pela sociedade são parte integrantes do ideário -simbólico e real - do espaço social .
A natureza era tida como "mágica", independente da ação humana11, mas interferia na mesma no nível simbólico e no nível real de organização da vida.
Como diz Robert Lenoble :
“A ‘natureza em si’ não passa de abstração . Não encontramos senão uma ideia de natureza que toma “sentidos” radicalmente diferentes segundo as épocas e os homens...Como todas as nossas ideias, a imagem da natureza que prevalece em cada época e em cada meio toma assim o peso de um teor social, mas que por sua vez constitui uma presa de eleição para a magia”. ( Lenoble, R. 1969:37)
Esta fragmentação dificulta ou impede mesmo visibilidade da natureza como integrante deste processo.
Neil Smith, afirma que a partir de Francis Bacon: “tornou-se lugar comum que a ciência trate a natureza como exterior no sentido de que o método e o procedimento científico ditam uma absoluta abstração tanto do contexto social dos eventos e objetos em exame quando do contexto social da própria atividade científica. Apesar de que a Mecânica de Newton permitiu um lugar à Deus no universo natural , a sociedade e o ser humano haviam sido expulsos desse mundo”. Smith, Neil, 1988, pg.31 Ed.Bertrand Brasil. O termo natureza é , neste trabalho, utilizado com o sentido de ‘segunda’ natureza.
Sobre as concepções da natureza "mágica", veja-se Elaide, Mircea - O sagrado e o Profano-Essência das Religiões- Edições Livros do Brasil - Lisboa - 1979 . Veja-se também Lenoble, Robert - História da Ideia da Natureza - Edições 70 - Portugal -1969 que traça um histórico das idéias da natureza desde a antiguidade clássica. Veja-se também, sobre conceitos de natureza Whitehead, Alfredo, 1994. Sobre as concepções da natureza na ciência em geral e em especial na geografia, veja-se Smith, Neil 1988- Ed. Bertrand Brasil .
De modo geral era indispensável, nas diferentes imagens sobre a natureza, conhece-la para dominá-la . Muito embora alguns desses "desastres" sejam mais problemáticos nas áreas ocupadas por grandes concentrações populacionais, a pesquisa e análise sobre a natureza e sua interferência na sociedade foram realizadas desde o período da antiguidade clássica em toda parte do mundo habitado. Desde a Grécia antiga há notícias de levantamentos realizados em áreas distantes, como as que Heródoto realizou preocupado com a descrição dos lugares, Tales e Aniximandro com as medições e a discussão sobre a forma da Terra. Predomina, nesta época, a metáfora espacial concreta.
É importante assinalar que nas pesquisas realizadas até a segunda metade do século XX, as escalas de análise e de representação eram diferentes das do momento presente. As pesquisas realizadas com o objetivo de ‘descortinar’ o mundo, como as realizadas por Alexandre Von Humboldt (1769-1859), Sir Richard Francis Burton (1821-1890), são caracterizadas por longas e dificultosas expedições. Hoje o avanço científico tecnológico amplia possibilidades de levantamentos indiretos através de aerofotogrametria, pesquisas por e em satélites, sensoriamento remoto, etc. Passa-se da realidade concreta à realidade virtual, da pesquisa direta às representações em diferentes escalas e temas13.
As pesquisas realizadas demonstram o quanto a ação humana altera a natureza e, como bem observa David Drew, este processo de alteração é milenar:
“Quando o homem provoca uma alteração no seu ambiente, visa normalmente um fim imediato e óbvio. Por exemplo: a construção de uma casa, evidentemente altera o meio pelo fato de substituir um trecho de grama ou floresta por um bloco de concreto, madeira e vidro. Mas a mudança não se resume a isto. A construção irá alterar parcialmente o clima circundante, o clima modificado alterará o caráter do solo e da vegetação vizinha e, por sua vez, a mutação do solo e da vegetação redundará em alterações posteriores do clima local... ( a nível global). O homem alterou pela primeira vez a ação local da atmosfera e, portanto, o clima, há 7 ou 9 mil anos, ao mudar a face da terra com a derrubada de florestas, a semeadura e a irrigação. As mudanças climáticas daí resultantes, porém, foram quase imperceptíveis...”(Drew D.1989 :19 e 73).
Wark, Mackenzie -afirma que: “This virtual geography is no more or less ‘real’. It is a different kind of perception , of things not bounded by rules of proximity, of ‘being there’ . If virtual reality is about technologies wich increase the ‘bandwidth’ of our sensory experience of mediated and constructed images, then virtual geography is the dialectically opposite pole of the process. Is about the expanded terrain from which experience may be instantly drawn” 1994 .
Porém a aceleração do ritmo produtivo provocará profundas transformações, fazendo com que a ação humana interfira até na profundidade da crosta terrestre . Em 1939, por exemplo, com a criação do Reservatório Hoover, nos Estados Unidos, milhares de fenômenos sísmicos foram desencadeados, um dos quais atingiu 5 graus na escala
Ritcher; em 1969, a construção da Barragem de Foyna, na Índia, desencadeou terremotos que provocaram além de danos materiais a morte de 200 pessoas.
Há vários aspectos importantes na história da relação societária com a natureza, nas quais tem estado quase sempre presente a ideia que esta deve ser dominada para servir ao homem, que é “ser superior” a todos os aspectos da natureza. Não se podia, nesse sentido, considerar que as leis próprias da natureza pudessem ser desconhecidas.
Ao mesmo tempo a natureza é tida como recurso exterior ao homem. Como recurso exterior precisa ser conhecida para ser ‘aproveitada”. Ela é também considerada ‘mágica’, pois ao não se compreender muitos de seus processos estes são atribuídos à magia, são mitificados. Na época renascentista a natureza parece tomar o lugar de Deus, pois afirma-se que ela possui uma alma e vela pelo homem como uma providência15.
Mais recentemente, retoma-se a ideia de que a natureza tem vida natural própria. Nesta teoria mais recente a natureza ( a Terra em seu conjunto ) é denominada de Gaia e tem sido definida como :
“...uma entidade complexa que abrange a biosfera, a atmosfera, os oceanos e os solos da Terra; na sua totalidade, constituem um sistema cibernético ou de realimentação que procura um meio físico e químico ótimo para a vida neste planeta. A manutenção de condições relativamente constante, por controle ativo, pode ser convenientemente descrita pelo termo “homeostase” (Lovelock,1987: 27).
Embora o homem tenha "instintos naturais" e a própria vida seja "natural" a natureza tem sido considerada exterior ao homem e a sociedade. Mesmo na teoria de Gaia, que considera a existência de vida própria da terra, esta é também externa pois :
“ a Teoria de Gaia busca uma alternativa para a perspectiva pessimista que vê a natureza como uma forma primitiva a subjugar e a conquistar . É também uma alternativa àquela imagem igualmente deprimente do nosso planeta como uma nave espacial demente em viagem contínua, sem condutor ou objetivo, em torno de um circulo interior ao Sol (Lovelock, op.cit : 28).
Veja-se: Santos, AR., Prandini, FL., Oliveira, AM., - Limites Ambientais do Desenvolvimento :
Geociências Aplicadas, uma Abordagem Tecnológica da Biosfera- 1990- ABGE- Artigo Técnico. Lenoble, Roberto - op. cit pag. 26
Assim o planeta, na teoria de Gaia, deve ser visto como um ser vivo, cujos elementos seriam a biosfera terrestre, a atmosfera, os oceanos , a terra:
“Todo este conjunto (à imagem do sangue, dos ossos, da carne, etc., no ser humano) comportar-se-iam como qualquer outro ser vivo, reagindo de modo a manter e recriar continuamente as condições de sua existência. Assim, se o homem alterar um dos elementos de “Gaia”, por exemplo a camada de ozônio, provocará da parte deste reações que o eliminarão, tal como um micróbio prejudicial é eliminado pelos anticorpos segregados pelo organismo” (Thomaz, T. 1992 : 22).
A natureza é considerada: mágica , recurso natural, tendo leis próprias.16 Esta natureza deveria ser dominada para 'servir' ao homem , etc. Evidentemente o homem , através da sua 'natureza' social se apropria da natureza para transformá-la em bens aproveitáveis. Mas para apropriar-se da natureza é preciso conhecer as suas leis, e o agente motor deste conhecimento, desde o século XVII, é a ciência . Ciência que é produto do desenvolvimento social, mas que também tem sido considerada ‘exterior’ (superior ao homem) e, ao mesmo tempo, tem sido sacralizada.
Como a natureza é um recurso, um bem aproveitável, quando se verifica a possibilidade de seu esgotamento, inicia-se a preocupação com estes ‘recursos’ que estão sendo paulatinamente dilapidados. Até recentemente, a preocupação maior estava relacionada às rochas, minerais, espécies vegetais, tipos de solos, tidos como não renováveis. A noção da não renovabilidade estava imbricada com os processos específicos e temporais de sua formação, ou seja, levaram dezenas ou milhares de anos para serem formados . O exercício realizado por Ron L Eicher dá a ideia do tempo necessário para a formação em tempos geológicos pretéritos. Demonstra, este autor, que numa história geológica de 4,5 bilhões de anos comprimida num ano , o Homo Sapiens teria aparecido faltando menos de 4 horas para o findar do ano. É , assim, significativo que a história do homem na superfície da terra corresponde apenas a uma ínfima fração do tempo geológico. Constituiu-se a análise do tempo geológico e do tempo histórico num importante elemento (evidentemente não o único), para a caracterização de um recurso renovável e de um não renovável. Pois como diz Eicher:
Há que se acrescentar que a natureza também é tida como dialética, sistêmica, ( mas cabe indagar se não é o método de análise é que é dialético ou sistêmico?), máquina, etc. Veja-se a respeito, entre outros, Capra, 1982- O Ponto de Mutação; F, Morin 1977-O método- a natureza da natureza; Engels, A-1979Dialética da natureza, Falatiev, Kh-1966- O materialismo dialético e as ciências da natureza.Compreendem métodos de análise que atribuem um significado à própria natureza. 17Eicher, R.L. -O tempo Geológico - São Paulo - Editoras Brucher/USP-1969.
Para compreender o mecanismo da natureza, porém, precisamos entender não só como ele opera, agora, mas como foi formado durante bilhões de anos. O processo de evolução biológica tem sido uma tarefa intermitente. O curso da evolução tem sido alterado, desde o sucesso e fracasso relativos de partes individuais da máquina ecológica, até a destruição catastrófica de partes inteiras do aparelho. A evolução não é lógica , nem suave; mas produziu-nos, produziu todos os nossos companheiros vivos e produziu aspectos importantes do nosso ambiente físico. Em suma, vivemos todos num mundo que evolui, e a humanidade evoluiu com ele” (Eicher, Paul R. 1993: 2).
A natureza tem, sem dúvida nenhuma, uma história e está em perpétuo
movimento, não é um ecossistema permanente , o que pode ser demonstrado pelo ‘tempo’ de formação de alguns dos recursos naturais. Por exemplo, foram necessários 500 mil anos para formar a floresta tropical; 500 milhões de anos para formar os combustíveis fósseis; 2 bilhões de anos para formar a camada de ozônio. Estes tempos de constituição ou de reconstituição na história da natureza não correspondem, obviamente, à rapidez com que o homem pode e a tem utilizado/destruído.
Assim, recursos naturais que demandaram processos específicos de formação em eras geológicas pretéritas, são considerados não renováveis , enquanto outros recursos mesmo tendo sido formados em eras geológicas pretéritas , pelas características permanentes e contínua de formação, dissolução, circulação -e até mesmo pela abundância -são considerados renováveis.
A preocupação com os recursos não renováveis relaciona-se com a
possibilidade de seu esgotamento e, assim, da impossibilidade de continuar a ser utilizado como matérias primas para a indústria. Impõe-se, também, a necessidade de encontrar substitutos para os mesmos. Desse modo, a consideração de renovável e não renovável , estava imbricada com o tempo geológico e com as características do meio físico - ecossistemas - que permitiam (ou não) a contínua renovação e , sem dúvida, relacionada com a ‘necessidade’ de cada um desses recursos pela sociedade. A natureza é , então, ao mesmo tempo, recurso renovável - que poderia ser utilizado indefinidamente - e recurso não renovável, que poderia ser utilizado até seu esgotamento ou até que outras fontes de recursos fossem descobertas para a sua substituição19. Mas, Embora discordando da ideia de mundo máquina penso que as ideias de evolução do autor mostram sincronia do meio físico com o societário.
A geologia , enquanto ciência, pode ter dado importância tanto ao tempo geológico como as características espaciais , contudo, a forma como se deu, socialmente, a apropriação das analises está como já dito, os renováveis acabam por ser tão intensamente ‘alterados/destruídos’ que esta noção altera-se, todos passam a ser considerados como finitos. Há que se considerar que a finitude compreende a não renovabilidade e que começou, neste findar de século, a ser compreendida como um limite para a exploração desenfreada da natureza.
O que demonstra, penso, que havia (e ainda há) a sacralização da ciência e da tecnologia , da razão , do tempo histórico, melhor dizendo, da historicidade, do evolucionismo. Mas é, também, a fé na magia da natureza que continuaria a fornecer indeterminadamente, e sem limite, de tempo os recursos necessários para a sobrevivência da humanidade. A ênfase na razão, na capacidade científica/tecnológica, está pautada no tempo histórico, pois se a sociedade em “tão pouco tempo” descobriu tantos recursos e fontes de energia , certamente com o avanço científico/tecnológico descobrirá novas alternativas para estas fontes. Como bem afirma Tom Thomas:
“O uso generalizado dos adubos (no caso da agricultura) ...são um meio para satisfazer a necessidade de produzir mais no mesmo espaço...Assim, se a produção mundial de cereais se multiplicou por 2,6 entre 1950 e 1986, a de pesticidas multiplicou-se por 20 e a de adubos químicos por 10”(Thomaz, 1992: 50 grifos nossos).
Constatado que os tempos geológicos e o dos ecossistemas são diferentes dos tempos sociais , atribui-se a possibilidade de superação dos diferentes tempos pela aceleração do "tempo social", pela produção de mais no mesmo espaço. Embora os processos da natureza não se acelerem naturalmente, é possível sua aceleração pela aplicação de tecnologias. Ciência e técnica são , também, considerados como importantes elementos de descoberta de novas alternativas de recursos naturais. Ciência e técnica como possibilidade de 'descobertas' de formas e processos construtivos , de processos de contenção de enchentes, de novas fontes de recursos, de energia, enfim, de superação da natureza pela tecnologia, são confundidas com um ilimitado poder de criação da vida. Ao mesmo tempo, a própria tecnologia impõe novos limites e assim trata-se, hoje, da superação de problemas criados pela própria tecnologia. Ou seja, gastam-se “fortunas” para tratar das doenças causadas pela poluição, pelos pesticidas, para despoluir a água contaminada, etc. decorrentes da intensificação do uso do espaço e da natureza. Mas o maior custo só tem sido contabilizado como números. As vidas destruídas no processo de produção/destrutiva são reduzidas somente à quantidade de pessoas.
relacionada ao tempo e não as características espaciais. É mais frequente destacar-se o tempo - e a era geológica - na qual o petróleo, o carvão, o diamante, etc. se formaram do que as condições ambientais espaciais da sua formação.
Com o tempo parecia que tudo se resolveria. A análise do espaço é obscurecido pela do tempo . A metáfora temporal camufla a metáfora espacial. Intensifica-se o uso do espaço para obter-se maior produtividade espacial .
Cabe reforçar que o problema da esgotabilidade dos recursos não se coloca apenas na finitude do uso/destrutivo dos mesmo, pois uma utilização mais racional (economia de recursos) pode retardar o tempo de esgotamento de um recurso, mas de qualquer modo este acabaria- com o tempo- se esgotando. Também não se trata de pensar na ‘eterna’ possibilidade de substituir um recurso, que está se esgotamento, por outro.
Processo que poderá ser viável por um tempo mas que também poderá encontrar seus limites. É evidente que a história da humanidade parece, até hoje, ter criativamente superado limites. Mas também é verdade que o ritmo da produção/destrutiva nunca foi tão acelerado como neste findar de século.
Um grande problema, da intensificação da produção/destrutiva, senão o maior, está no que se convencionou chamar de problemática ambiental, na criação de novas necessidades que não satisfazem necessidades humanas enriquecedoras, mas apenas correspondem a modos de vida da sociedade do descartável. E, na sociedade do descartável, o tempo e o espaço são tidos como separados, produzem-se cada vez mais e mercadorias - que duram cada vez menos-, e utiliza-se de forma intensiva o espaço para produzir mais. É preciso considerar que não se pode separar o tempo do espaço, pois são a substância material da própria vida. Como diz Soja, tempo e espaço são dialeticamente inseparáveis:
"..os dois conjuntos de relações estruturadas - o social e o espacial - não são apenas homólogos, no sentido de provirem das mesmas origens no modo de produção , como também dialeticamente inseparáveis... De uma perspetiva materialista, seja ela mecanicista ou dialética , o tempo e o espaço, no sentido geral ou abstrato, representam a forma objetiva da matéria. Tempo, espaço e matéria estão inextricavelmente ligados, sendo a natureza dessa relação tema central na história e na filosofia da ciência" (Soja, 1993: . 99 e 101).
É preciso, para compreender a dinâmica das relações societárias com a natureza, não separar o tempo do espaço que é produzido socialmente. E não separar também a natureza da sociedade, o que significa compreender a diversidade social e as formas pelas quais a sociedade se apropria e transforma esta natureza e produz o espaço social. Como disse Marx:
“toda a produção é a apropriação da natureza pelo indivíduo, no seio de uma determinada forma social e por intermédio dela”(Marx, K. 1974: 112).
A sociedade se apropria assim da natureza e a transforma pelo trabalho social e se realiza na produção sócio-espacial.
A questão ambiental, tal como é entendida hoje , diz respeito, principalmente , ao "produto" da intervenção da sociedade sobre a natureza . Não mais apenas "problemas
da natureza", meio físico, mas também e sobretudo a problemática decorrente da ação societária . Somam-se assim ao vulcanismo, tectonismo, etc. 20, ações decorrentes da intervenção social .
Alguns ecossistemas , como o da atmosfera, permitem visualizar , de modo geral, esta passagem da aparente dependência apenas de fatores internos para a interdependência com a ação humana . Dada a sua composição e a circulação das massas de ar, a atmosfera foi considerada um "recurso" renovável e eterno. Se os desmatamentos alteravam esta renovação poder-se-ia, pensava-se, reconstruir florestas através do reflorestamento. A verdade é que só recentemente verificou-se que os processos de reflorestamento, embora muito importantes para a questão do oxigênio e mesmo dos solos, não repõe a biodiversidade perdida. Pensava-se, também, que a circulação das massas de ar, as precipitações atmosféricas, provocariam a "limpeza” do ar. Um exemplo disso são as questões apontadas para a localização de indústrias poluentes como em Cubatão e as formas de circulação do ar na área de implantação industrial. Os poluentes não seriam, no caso, transportados e assim concentrar-se-iam, apenas, na área da Baixada Santista . O que significava que em outra localidade não haveria concentração de poluentes e as indústrias poderiam simplesmente jogá-los na atmosfera. Se é verdade que, no caso, ocorre forte concentração de poluentes. Podemos citar como exemplo o terremoto ocorrido em janeiro de 1994 em Los Angeles, que demonstra a ação dos agentes internos e como o produto destes agentes tem destruído e ocasionado problemas para a sociedade - pelo menos à nível local e nacional . A imprensa ,em geral, destaca os problemas das perdas econômicas e secundariamente os da perda de vidas. Aliás a morte aparece como espetáculo visual -televisivo. Parece uma naturalização da sociedade.
Precipitados no próprio local, não é menos verdade que os problemas de poluição atmosférica não se limitam à Cubatão. Mas no processo mudou, ao mesmo tempo, a escala do conhecimento e a dimensão espacial, revelando aquilo que ficava turvo em pesquisas diretas e localizadas.
Ou seja, fica demonstrado que a natureza não tem fronteiras, que a escala global da economia é precedida da escala espacial global , da escala natural da terra. Retoma-se, assim, a diferenciação das escalas espaciais nos estudos da Geografia do mundo. O que traz a tona este aspecto é a problemática ambiental. Com muita propriedade Giddens , afirma que :
"A maioria dos cientistas sociais trata o tempo e o espaço como meros ambientes de ação e aceita irrefletidamente a concepção do tempo que, enquanto tempo cronometravel, é característico da moderna cultura ocidental . Com a exceção dos recentes trabalhos de geógrafos, os cientistas sociais não foram capazes de construir seu pensamento em torno dos modos como os sistemas sociais são constituídos através do espaço-tempo " ( Giddens, A 1989: 89 -grifos nossos).
Ainda que a compreensão do espaço tempo esteja restrito aos geógrafos da atualidade, esta é uma importante questão que permite novas leituras do território.
Ao mesmo tempo altera-se o conceito de renovabilidade e o de escala espacial. O volume e o tipo de gases e poluentes lançados na atmosfera têm provocado a alteração do conceito de renovabilidade. Os gases, assim como a própria atmosfera em seu conjunto, circulam , alteram-se. Assim a atmosfera está em perpétua mudança. Os gases/poluentes, embora possam concentrar-se em determinados lugares, estão presentes
na atmosfera em seu conjunto. Uma das formas consideradas como de "dissolução " da poluição , as precipitações atmosféricas são, contraditoriamente, o demonstrativo da globalidade da natureza. As chuvas ácidas começam a ameaçar áreas/regiões sem fontes poluidoras. A chuva ácida foi "descoberta" no final do século XIX por Robert Angus Smith , que verificou que a alteração do PH das águas das chuvas coincidia perfeitamente com os mapas de regiões de grande queima de carvão e fortes correntes de ar 23. Mas é só à partir da década de 60 do século XX que se constatam danos em grandes extensões de florestas em áreas distantes de qualquer fonte direta de poluição .
As contradições da produção social do espaço, embora reveladas com ênfase, são pouco compreendidas e pouco difundidas. E este é um desafio deste findar do século XX.
Evidencia-se , assim , através da poluição , da destruição da natureza, que a natureza tem uma dimensão global . Que o espaço a ser considerado para a problemática ambiental é o espaço mundial, pois a circulação atmosférica não tem fronteiras nacionais, nem locais. Embora em alguns lugares, como no já citado Cubatão, possa haver forte concentração de poluentes relacionados a implantação industrial, que não levou em conta a circulação local da atmosfera que indica o sítio como inadequado para instalação industrial, os problemas de poluição atmosférica situam-se muito além das fronteiras da área industrial em questão. O tempo aqui não parece mais ser fonte de resolução de problemas, mas sim de "acumulação” de problemas . A circulação do ar atmosférico de regiões industriais levam, para longe, os poluentes ocasionando a acidez das águas das chuvas e danificando solos, vegetação e mesmo produtos industriais. A escala de análise não pode ser mais apenas a local ou mesmo a regional ou a nacional.
Não pode ter como limites as fronteiras de nações; mas precisa ser mundializada, precisa ser a da natureza. Desse modo, poder-se-á compreender não só a dimensão temporal diversa da produção da natureza e da sociedade mas também a dimensão espacial.
Podemos então indagar: a metáfora temporal encontrou seus limites ? A metáfora espacial localizada, sem a compreensão da globalidade, encontrou também seus limites?
As respostas são complexas e difíceis, mas de qualquer modo à metáfora temporal agrega-se a metáfora espacial em várias escalas. “Novas” escalas precisam ser compreendidas. A escala laboratorial não dá conta de compreender a dimensão da problemática que se coloca no mundo atual.
O "tempo" de renovação dos recursos renováveis parece aproximar-se, hoje, do tempo geológico para a formação, o que significa que nem tudo com o tempo se resolve ou se renova; pelo contrário, o tempo de acumulação dos poluentes está impossibilitando a renovação da atmosfera e, também , da hidrosfera, cuja poluição se expressa não só pela acidez das águas como também pela alteração dos solos, pela anunciada escassez de água potável para o abastecimento dos moradores das cidades e para a irrigação no campo (água, outro “recurso” tido como renovável torna-se não renovável). O vice-presidente do Banco Mundial, em relatório sobre o uso sustentável de recursos hídricos, afirma que no século XXI as guerras não terão como objeto de disputa o petróleo ou a política mas sim as águas, já que sua escassez está fazendo surgir inclusive uma política das águas .
“nos dias de hoje 250 milhões de pessoas distribuídas em 26 países já enfrentam a escassez crônica de água; no ano 2025, serão 3 bilhões de pessoas em 52 países... a demanda mundial de água tem dobrado a cada 21 anos e nos dias de hoje a maior parte dos recursos hídricos do planeta está comprometida pela poluição doméstica, industrial e agrícola, por desequilíbrios ambientais resultantes do desmatamento e uso indevido do solo”( FSP 1/10/95).
Fica evidente a preocupação com este “recurso” - água- que se torna cada vez mais escasso e caro no processo de produção destrutiva. Descobre-se, assim, que a frase de Benjamim Franklin (inventor e diplomata norte-americano): “Quando o poço esta seco, conhecemos o valor da água”, não é mera retórica. O tempo de uso com desperdício acumulou problemas , não os resolveu, embora se possa, dado o desenvolvimento tecnológico, ir procurar-se água cada vez mais longe, expandindo-se e intensificando-se o uso do recurso e do espaço.
O tempo, ou a metáfora temporal, e a ideia de renovação da atmosfera (um recurso) tem também alguns aspectos diferentes quando analisamos a questão do buraco da camada de ozônio na atmosfera. O ozônio ( 03), molécula formada na estratosfera, absorve a radiação ultravioleta e é sabido que o excesso de radiação ultravioleta pode danificar células vegetais e animais . Mas, no processo de desenvolvimento científico/tecnológico, em 1928, um grupo de cientistas 'inventou' um gás atóxico e inerte : o clorofluorcarboneto ou CFC , que passou a ser utilizado largamente como elemento refrigerante em geladeiras, em ar condicionado, como gás dispersor em latas de aerossol, na fabricação de caixas de ovos, xícaras de café, embalagens de lanchonetes, etc. Mas o CFC além de inerte , atóxico, e muito útil, pode permanecer intacto por mais de um século, podendo subir até a estratosfera e reagir com o ozônio (O3) destruindo-o em grandes quantidades . A produção de um gás que permanece inerte e intacto por um tempo de vida maior do que a vida média do homem -inclusive dos cientistas que o projetaram- demonstra ao mesmo tempo o limite do conhecimento científico/tecnológico e o limite das escalas tempo/espacial utilizado como base na ciência/tecnologia, além do limite do conceito de renovabilidade.
No caso do CFC utilizou-se largamente um gás cujos efeitos não eram então conhecidos. Mas a fé na ciência não podia levantar a suposição de que estes gases ocasionariam problemas. Só 60 ( sessenta ) anos depois concluiu-se que apenas uma desativação rápida e total de todas as substâncias químicas que destroem o ozônio poderia começar a melhorar os níveis de ozônio nas próximas décadas , o que deu origem à assinatura do chamado Protocolo de Montreal. Está previsto no Protocolo de Montreal que deve ocorrer, até do final do século, uma redução de 50% do CFC na atmosfera. As Convenções assinadas na Conferências das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento- Eco-92 remeteram , também ao ano 2000, a redução drástica de vários outros gases na atmosfera :
O objetivo da Convenção, assinada por 154 países é: "conseguir a estabilização da concentração de gases termoativos na atmosfera responsáveis pelo efeito estufa- como o dióxido de carbono, o metano, o ozônio, os clorofluorcabonos e os óxidos de nitrogênio a um nível que impeça a interferência antropogênica perigosa no clima, a um prazo suficiente para que os ecossistemas possam adaptar-se naturalmente às mudanças climáticas , a fim de evitar a ameaça à produção de alimentos e permitir que as atividades econômicas se desenvolvam de forma sustentável e ambientalmente idônea" ( Tempo e Presença, 1992-grifos nossos).
Assim a sociedade busca encontrar saídas para as portas que ela mesmo fechou ao longo do tempo. Ao mesmo tempo que aumenta o buraco da camada de ozônio, a poluição em geral e a possibilidade do efeito estufa, as pesquisas tecnológicas buscam substitutos para os gases que no futuro poderão trazer outros problemas, que poderão encontrar outros limites no espaço natural e social .
A globalidade da natureza e sua espacialidade podem, também, ser observadas pelo processo do que se convencionou chamar de “efeito estufa”.
Muitos gases lançados na atmosfera contribuem para o efeito estufa. Alguns autores dizem que significa uma 'nova atmosfera', que contará com alterações nos ventos, nas precipitações atmosféricas e consequentemente no relevo (se pensarmos nos chamados agentes modeladores externos do relevo), na conformação dos oceanos , mares e evidentemente na superfície da terra. As inundações provenientes do derretimento das geleiras atingiria planícies costeiras, impedindo grandes contingentes populacionais de continuarem a plantar e a morar nessas áreas. Ter-se-ia , assim, com a diminuição das áreas hoje produtivas , o aumento da pobreza no mundo.
Muitas são as controvérsias sobre o aumento da temperatura na atmosfera e sobre os seus efeitos. É importante destacar que o aumento da temperatura -efeito estufa- é como diz Tom Thomaz24 perfeitamente natural, o que não é ‘natural’ é a aceleração do aquecimento. Não há dúvidas, entre os cientistas, de que a causa deste aquecimento está relacionado ao aumento, na atmosfera, de gases provenientes de indústrias, de produtos.
Thomaz, Tom -A ecologia do absurdo-1994- Edições Dinossauro-Lisboa industriais como o automóvel, de queimadas nas florestas, etc. Parece, também, não haver dúvidas que se não for contida a emissão de gases a natureza da atmosfera continuará se alterando ( Legget, 1989).
A acumulação de tempos (e de gases poluentes) , o tempo de duração do CFC no espaço e a circulação atmosférica, a finitude do recurso “água”, colocam em destaque problemáticas sócio-ambientais. Mas, como aponta Castoriads, a resposta : "da próxima vez estaremos bem informados e agiremos melhor ", pode não ser mais a solução. E a procura de solução do ‘tempo privado de sentido’ pelo do ‘tempo pleno de sentido’ pode ser exemplificavel na busca de soluções para o crescimento populacional - entre as quais o uso de pílula anticoncepcional :
"as discussões e as preocupações sobre seus efeitos colaterais indesejáveis estiveram centradas na questão de saber se as mulheres que utilizam a pílula poderiam engordar ou contrair câncer ...(contudo) a questão pertinente é : que poderá acontecer com a espécie se as mulheres tomarem a pílula durante mil gerações, isto é daqui a vinte e cinco mil anos? Isto equivale a um experimento com uma cultura de bactérias durante mais ou menos 3 (três) meses... Ora é claro que vinte e cinco mil anos são um lapso de tempo "privado de sentido" para nós. Em consequência, nós agimos como se o fato de não nos preocuparmos com os possíveis resultados de que fazemos fosse "pleno de sentido"...." (Castoriads, C. 1988 : 155).
Qual é o tempo "privado de sentido" e o qual tempo "pleno de sentido" na
questão da ciência/tecnologia que parece tudo poder resolver na busca do desenvolvimento da produção de novas mercadorias a qualquer custo e em qualquer espaço? Da mesma forma podemos indagar qual é a ‘escala plena de sentido’ e a ‘escala privada de sentido’ das pesquisas laboratoriais , da realidade virtual, na escala do globo?
Os vários processos que produzem alterações substanciais na natureza tem permanecido obscurecido sob o manto da "modernidade" e da contínua produção de mercadorias. São realizadas pesquisas em grande número, no entanto , a maioria localizáveis e localizadas em áreas restritas quando comparadas com a escala do globo terrestre, mesmo considerando-se o atual desenvolvimento tecnológico e o uso do sensoriamento remoto, de formas de representação que estão muito além das explorações diretas. Com a ideia ( ilusória) da tecnologia como solução, ou seja, de que se encontrarão soluções para os problemas, atua-se nas consequências do produção destrutiva. Criam-se filtros para indústrias, automóveis, etc. poluírem menos. Assim, da mesma forma que com o tempo poder-se-iam encontrar outros “recursos” para os esgotáveis, a solução dos problemas parece vir com o tempo. Inicialmente buscando aumentar o tempo de ‘vida’ e diminuindo os efeitos perversos da produção, ter-se-ia, assim, mais tempo para encontrar outras formas de produção. A noção de tempo (privado de sentido) oculta a natureza e a produção social do espaço. O uso da categoria tempo oculta a categoria espaço. O espaço parece entrar apenas pelas portas dos fundos nas pesquisas e nos ideários. Se o espaço (a produção social) não for compreendido como esperar encontrar ‘soluções’? Estas soluções só podem ser ‘mágicas’ construídas laboratorialmente, mas não condizentes com a dinâmica e a escala da produção espacial.
Sem desconsiderar as possibilidades de encontrarem-se soluções para muitos problemas ocasionados pelo modo industrial de produzir , quero destacar que as análises tem sido sempre parciais . Se há análises globais não são divulgadas. O que é de domínio público são “soluções” que resolveriam (circunscreveriam) os problemas já existentes. Não tem sido possível vislumbrar perspectivas de mudança nas formas de apropriação da natureza pela sociedade, exceto por propostas alternativas de pequenas comunidades.
Um aspecto importante sobre a cortina de fumaça que envolve o processo de produção destrutiva diz respeito a quem tem sido responsabilizado pelos problemas ambientais. Em geral , responsabilizam-se apenas alguns ‘setores’ da sociedade. Por exemplo, com relação ao efeito estufa e à poluição atmosférica, considera-se que é o automóvel que polui. A solução, para continuar por algum tempo sem ‘resolver’ o essencial , parece ser "deixar o carro em casa uma vez por semana"26. Mas , então, para que se desenvolvem sempre carros novos e mais modernos? Parece que o responsável pela poluição e pelo aumento da temperatura - efeito estufa - é o automóvel em si, ou seu proprietário, e não a produção de mercadorias, o desenvolvimento científico-tecnológico que "criou” o automóvel 27. Parece, também, que o
desenvolvimento científico tecnológico não faz parte da produção sócio-espacial. Embora já esteja demonstrado , em larga medida, que a produção de mercadorias e a produção da segunda natureza sejam “responsabilidade" do modo industrial de produzir, esta está Veja-se, na parte final deste trabalho, os projetos de lei no Município e Estado de São Paulo, que demonstram que a preocupação com o meio ambiente é mais corrigir do que prevenir problemas.
Veja-se a implantação do ‘rodizio’ tentando evitar-se o aumento dos gases poluentes, provenientes do que se chama de efeito inverno.
Afirma-se sempre que os veículos ocasionam congestionamento, poluição, etc, o que é verdade.
Contudo, a produção de automóveis é considerada favorável ao desenvolvimento econômico, é considerada "motor” de desenvolvimento. Mas o automóvel tem um custo social elevado (barulho, poluição do ar, congestionamentos) mas seu controle pela mão invisível do mercado é extremamente difícil. É o que conclui, também, Lee Schipper considerando que:” não existe uma ligação clara entre os benefícios de uma viagem de automóvel e os custos sociais decorrentes”-GM 29 e 30/6/96.
simbolicamente deslocada para os indivíduos consumidores. Responsabilizar o “consumidor” é uma forma de “preservar” o ideário de que quem produz é o capital e não o trabalho e que o capital é responsável pela riqueza e não pela pobreza ou destruição da natureza. Impede, também, que se analisem, corretamente, as diversas propostas contidas no princípio poluidor/pagador. Na delimitação do princípio poluidor-pagador poderia ficar mais evidente os reais agentes da produção/destrutiva.
A ausência de análises consistentes sobre a produção sócio-espacial é visível em propostas de políticas públicas, onde se “planeja” o desenvolvimento com metas numéricas, onde o espaço onde se concretizarão estas metas é desconhecido ( ou pelo menos não tem sido mencionado).
Ao nível dos discursos, porque a realidade não é alterada pelos discursos, naturaliza-se a produção social e socializa-se a natureza. Mas, simultaneamente , a ciência moderna provoca a desumanização da natureza e a desnaturalização da sociedade , pois temos que levar em conta, como afirma Boaventura Souza, que a ciência moderna :
"provoca uma ruptura ontológica entre o homem e a natureza, na base da qual outras se constituem, tais como a ruptura entre o sujeito e o objeto, entre o singular e o universal, entre o mental e o material , entre o valor e o fato, entre o privado e o público e, afinal, a própria ruptura entre as ciências naturais e as sociais" ( Souza, Boaventura, 1991: 66)
As rupturas epistemológicas decorrentes da ruptura entre o homem e a natureza implicam ( determinam?) a elaboração de metáforas , onde a natureza deve ser dominada, pois é tida como recurso a ser utilizado na produção de mercadorias. Mas ao mesmo tempo, como já dito, implica em deslocar as responsabilidades para o consumidor final . A natureza - entendida como recurso- é submetida a um processo intenso e crescente de transformação, propiciado pelo desenvolvimento científico/tecnológico, fazendo desaparecer a natureza natural, ou seja, a primeira natureza. Como afirma Mackibenn B :
O barulho da motoserra não abafa todos os ruídos da floresta ou afugenta os animais, mas acaba com a sensação de que se está em outra esfera, separada, eterna, selvagem. Agora que mudamos as forças básicas ao nosso redor, o barulho da motoserra estará sempre nos bosques. Mudamos a atmosfera e isso mudará o 28 As propostas contidas no princípio poluidor pagador são complexas e vão desde a atribuição de um
‘preço’ para os poluidores ( o que poderia permitir a poluição/destruição, desde que paga), até a contradição com os princípios do desenvolvimento sustentável ( que prevê o uso racional de recursos).
clima... Não acabamos com a chuva ou com a luz do sol... mas o significado do vento, sol, chuva - da natureza- já mudou( Mackibenn, 1989: 55).29
Há, assim, um processo concomitante e contraditório de desnaturalização e socialização da natureza. Natureza socializada através da produção social ao mesmo tempo em que ocorre intensamente a desnaturalização da natureza. Podemos considerar que a maior parte do globo terrestre é, hoje, conhecido e que sofre a interferência social, mesmo que seja apenas através de uma delimitação territorial. Os ares estão demarcados como espaços aéreos territoriais , os mares também o estão, as florestas
mesmo tendo trechos não pesquisados diretamente, recebem a interferência da circulação atmosférica, das águas e de demarcação territorial. Trata-se da socialização da natureza , que é ao mesmo tempo sua desnaturalização. Trata-se, assim, de umas das dimensões do processo de globalização sócio-espacial. Estas transformações mostram, como diz Lenoble, acima citado, que as ideias, a imagem da natureza que
prevalece em cada época e em cada meio tem o peso de um teor social, mas que por sua vez constitui uma presa de eleição para a magia . A magia do mercado, que desde o final da década de 80 parece estar contida na ideia e ideário do Desenvolvimento Sustentável.
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